quinta-feira, 28 de dezembro de 2023

Capítulo 104 | Era Ele!


Restitui o grampo a Virgília, que o repregou nos cabelos, e preparou-se para sair. Era tarde; tinham dado três horas.
Tudo estava esquecido e perdoado. Dona Plácida, que espreitava a ocasião idônea para a salda, fecha subitamente a janela e exclama:
Virgem Nossa Senhora! aí vem o marido de Iaiá!
O momento de terror foi curto, mas completo. Virgília fez-se da cor das rendas do vestido, correu até a porta da alcova; Dona Plácida, que fechara a rótula, queria fechar também a porta de dentro; eu dispus-me a esperar o Lobo Neves. Esse curto instante passou. Virgília tomou a si, empurrou-me para a alcova, disse a Dona Plácida que voltasse janela; a confidente obedeceu.
Era ele. Dona Plácida abriu-lhe a porta com muitas exclamações de pasmo: – O senhor por aqui! honrando a casa de sua velha! Entre, faça favor. Adivinhe quem está cá... Não tem que adivinhar, não veio por outra coisa... Apareça, Iaiá.
Virgília, que estava a um canto, atirou-se ao marido. Eu espreitava-os pelo buraco da fechadura. O Lobo Neves entrou lentamente, pálido, frio, quieto, sem explosão, sem arrebatamento, e circulou um olhar em volta da sala.
Que é isto? exclamou Virgília. Você por aqui?
Ia passando, vi Dona Plácida à janela, e vim cumprimentá-la.
Muito obrigada, acudiu esta. E digam que as velhas não valem alguma coisa... Olhai, gentes! Iaiá parece estar com ciúmes. E acariciando-a muito: – Este anjinho é que nunca se esqueceu da velha Plácida. Coitadinha! é mesmo a cara da mãe. Sente-se, senhor Doutor...
Não me demoro.
Você vai para casa? disse Virgília. Vamos juntos.
Vou.
Dê cá o meu chapéu, Dona Plácida.
Está aqui.
Dona Plácida foi buscar um espelho, abriu-o diante dela.
Virgília punha o chapéu, atava as fitas, arranjava os cabelos, falando ao marido, que não respondia nada. A nossa boa velha tagarelava demais; era um modo de disfarçar as tremuras do corpo. Virgília, dominado o primeiro instante, tomara à posse de si mesma.
Pronta! disse ela. Adeus, Dona Plácida; não se esqueça de aparecer, ouviu? A outra prometeu que sim, e abriu-lhes a porta.

Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

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