Quando
Edward Bloom deixou Ashland, prometeu a si mesmo que ia ver o mundo,
e, assim, parecia estar sempre em movimento, e nunca em um mesmo
lugar por muito tempo. Não havia um continente que seu pé não
houvesse tocado, um país que ele não tivesse visitado, uma grande
cidade em que não tivesse um amigo. Ele era um verdadeiro cidadão
do mundo. Fazia aparições rápidas mas heroicas em minha vida,
salvando-a quando podia, incentivando-me na direção da vida adulta.
Entretanto, era levado por forças mais poderosas do que ele; estava,
como dizia, cavalgando o tigre.
Mas
gostava de me fazer rir. Era como ele queria lembrar-se de mim e como
queria ser lembrado. De todos os seus incríveis poderes, esse era
talvez o mais extraordinário: a qualquer hora, com uma ninharia, ele
conseguia realmente me desconcertar.
Havia
um homem — vamos chamá-lo de Roger — que teve que sair da cidade
a trabalho, e então deixou o gato aos cuidados de um vizinho. Ora, o
homem amava seu gato, amava o gato acima de todas as coisas, de tal
forma que na mesma noite do dia em que viajou ligou para o vizinho
para perguntar sobre a saúde e o estado emocional de seu querido
felino. Ele perguntou ao vizinho:
— Como
está o meu doce e precioso gatinho? Diga-me, vizinho, por favor.
E
o vizinho disse:
— Sinto
muito ter que lhe dizer isto, Roger. Mas seu gato está morto. Foi
atropelado por um carro. Morreu instantaneamente. Sinto muito.
Roger
ficou chocado! Não só por saber da morte do gato — como se isso
já não fosse o bastante! —, mas também pela forma como a notícia
lhe fora dada.
Então
ele disse, ele disse:
— Não
é assim que se dá uma notícia tão terrível como essa! Quando uma
coisa dessas acontece, você dá a notícia devagar, aos poucos. Você
prepara a pessoa! Por exemplo, quando liguei esta noite, você
deveria ter dito: “O seu gato subiu no telhado.” Aí, da próxima
vez que eu ligasse, você diria: “O gato ainda está no telhado,
não quer descer e parece bem doente.” Então, da outra vez que eu
ligasse, você poderia me dizer que o gato caiu do telhado e estava
internado. Finalmente, quando eu ligasse de novo, você me diria, com
uma voz abalada, que ele tinha morrido. Entendeu?
— Entendi
— disse o vizinho. — Desculpe-me.
Então,
três dias depois Roger tornou a ligar para o vizinho, porque o
vizinho ainda estava vigiando a casa, checando sua correspondência
et cetera, e Roger queria saber se tinha acontecido algo importante.
— E
então? — perguntou Roger.
— Bem,
é a respeito do seu pai.
— Meu
pai! — exclamou. — Meu pai! O que houve com o meu pai?
— Seu
pai — disse o vizinho — subiu no telhado...
Meu
pai subiu no telhado. É assim que gosto de me lembrar dele às
vezes. Bem vestido num terno escuro e de sapatos pretos,
escorregadios, ele está olhando para a esquerda, para a direita,
olhando até onde sua vista alcança. Aí, olhando para baixo, ele me
vê, e assim que começa a cair, ele sorri e pisca o olho para mim.
Fica olhando para mim o tempo todo enquanto cai — sorrindo,
misterioso, mítico, uma poção desconhecida: meu pai.
Daniel Wallace, in Peixe Grande
Nenhum comentário:
Postar um comentário