domingo, 31 de dezembro de 2023

Seu maior poder


Quando Edward Bloom deixou Ashland, prometeu a si mesmo que ia ver o mundo, e, assim, parecia estar sempre em movimento, e nunca em um mesmo lugar por muito tempo. Não havia um continente que seu pé não houvesse tocado, um país que ele não tivesse visitado, uma grande cidade em que não tivesse um amigo. Ele era um verdadeiro cidadão do mundo. Fazia aparições rápidas mas heroicas em minha vida, salvando-a quando podia, incentivando-me na direção da vida adulta. Entretanto, era levado por forças mais poderosas do que ele; estava, como dizia, cavalgando o tigre.
Mas gostava de me fazer rir. Era como ele queria lembrar-se de mim e como queria ser lembrado. De todos os seus incríveis poderes, esse era talvez o mais extraordinário: a qualquer hora, com uma ninharia, ele conseguia realmente me desconcertar.

Havia um homem — vamos chamá-lo de Roger — que teve que sair da cidade a trabalho, e então deixou o gato aos cuidados de um vizinho. Ora, o homem amava seu gato, amava o gato acima de todas as coisas, de tal forma que na mesma noite do dia em que viajou ligou para o vizinho para perguntar sobre a saúde e o estado emocional de seu querido felino. Ele perguntou ao vizinho:
Como está o meu doce e precioso gatinho? Diga-me, vizinho, por favor.
E o vizinho disse:
Sinto muito ter que lhe dizer isto, Roger. Mas seu gato está morto. Foi atropelado por um carro. Morreu instantaneamente. Sinto muito.
Roger ficou chocado! Não só por saber da morte do gato — como se isso já não fosse o bastante! —, mas também pela forma como a notícia lhe fora dada.
Então ele disse, ele disse:
Não é assim que se dá uma notícia tão terrível como essa! Quando uma coisa dessas acontece, você dá a notícia devagar, aos poucos. Você prepara a pessoa! Por exemplo, quando liguei esta noite, você deveria ter dito: “O seu gato subiu no telhado.” Aí, da próxima vez que eu ligasse, você diria: “O gato ainda está no telhado, não quer descer e parece bem doente.” Então, da outra vez que eu ligasse, você poderia me dizer que o gato caiu do telhado e estava internado. Finalmente, quando eu ligasse de novo, você me diria, com uma voz abalada, que ele tinha morrido. Entendeu?
Entendi — disse o vizinho. — Desculpe-me.
Então, três dias depois Roger tornou a ligar para o vizinho, porque o vizinho ainda estava vigiando a casa, checando sua correspondência et cetera, e Roger queria saber se tinha acontecido algo importante.
E então? — perguntou Roger.
Bem, é a respeito do seu pai.
Meu pai! — exclamou. — Meu pai! O que houve com o meu pai?
Seu pai — disse o vizinho — subiu no telhado...
Meu pai subiu no telhado. É assim que gosto de me lembrar dele às vezes. Bem vestido num terno escuro e de sapatos pretos, escorregadios, ele está olhando para a esquerda, para a direita, olhando até onde sua vista alcança. Aí, olhando para baixo, ele me vê, e assim que começa a cair, ele sorri e pisca o olho para mim. Fica olhando para mim o tempo todo enquanto cai — sorrindo, misterioso, mítico, uma poção desconhecida: meu pai.

Daniel Wallace, in Peixe Grande

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