Nascida no Castelo de la Possonière, no vale do Loire. As pregas na cintura alta, já embaixo do busto, os longos cabelos pouco lavados. Fiava linho. Os bosques do castelo. A lua verde como uma emboscada. Os rouxinóis e o poço. Sua voz cantando fina, fina. O grande território dividia-se em regiões militares. Avermelhados pelo vento os servos escovavam os cavalos. As grandes chaves de ferro. O vento soprava, e na sombra da alcova o leito branco. Os cães no pátio: 15 galgos ladravam. O ferreiro e as forjas, fole e bigorna, as forjas martelando. Aproximava-se o galopar com poeira, apeavam. Em torno do poço, ao vento do Loire, em guirlanda, as margaridas. Muito cobre, prata. O tio bispo. A taça de ouro. A visita periódica do diretor espiritual: as mãos cruzadas no regaço. Sua época foi sua vida. Extinta no ano de 1513, sepulta na capela do bosque. Cem anos depois, os ossos foram transladados e depois de novo transladados. Até que dela ficou o castelo em que viveu e a bela região do Loire. E, no museu, “obra de anônimo século XVI”, vaso que um dia pintara, dado ao estudo da arte decorativa de seu tempo.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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