sexta-feira, 29 de dezembro de 2023

Os Nascimentos | 1523 – Painala

A Malinche

De Cortez teve um filho, e para Cortez abriu as portas de um império. Foi sua sombra e vigia, intérprete, conselheira, mensageira e amante, tudo isso ao longo da conquista do México; e continua cavalgando ao seu lado.
Passa por Painala vestida de espanhola, veludos, sedas, cetins, e no princípio ninguém reconhece a florida senhora que vem com os novos amos. Do alto de um cavalo alazão, a Malinche passeia seu olhar pelas margens do rio, respira fundo o aroma adocicado do ar e busca, em vão, os rincões da folhagem onde há mais de vinte anos descobriu a magia e o medo. Passaram-se muitas chuvas e vendavais e penas e pesares desde que sua mãe vendeu-a como escrava e foi arrancada da terra mexicana para servir aos senhores maias de Yucatán.
Quando a mãe descobre quem é a que chegou de visita a Painala, se atira aos seus pés e se banha em lágrimas suplicando perdão. A Malinche detém a choradeira com um gesto, levanta sua mãe pelos ombros, abraça-a e pendura em seu pescoço os colares que usa. Depois, monta o cavalo e segue seu caminho junto aos espanhóis.
Não necessita odiar sua mãe. Desde que os senhores de Yucatán a deram de presente a Hernán Cortez, há quatro anos, a Malinche teve tempo de vingar-se. A dívida está paga: os mexicanos se inclinam e tremem quando a veem chegar. Basta um olhar de seus olhos negros para que um príncipe balance na forca. Sua sombra flutuará, além da morte, sobre a grande Tenochtitlán que ela tanto ajudou a derrotar e a humilhar, e seu fantasma de cabelos soltos e túnica flutuante continuará metendo medo, para sempre, saído dos bosques e das grutas de Chapultepec.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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