domingo, 17 de dezembro de 2023

Hora da sobremesa

Estou ainda em Marabá, participando da IV Feira de Livros. Tiram fotos. Costumo ser muito simpático em fotos. Repetem as fotos. Quando repetem, já não estou tão simpático. Meus leitores vão embora. Olho o relógio. Tenho ainda meia hora.
De volta à solidão, ela vem devagar, passos candentes, aproxima-se, e não pede autógrafo, fotos, nada. Entra sem ser convidada, a conhecida depressão. Abaixo a cabeça e tenho vontade de queimar tudo, de ter um ataque fulminante, de virar a mesa, gritar: “Para que serve esta merda toda, a tal literatura?! Vão embora!” Escreve-se para quem? Para alguém. Mas escreve-se para alguém ou para um só? Sempre me perguntam: “Você, quando escreve, pensa no público?” Não sei responder. Não sei por que escrevo. E daí que escrevo, grande coisa. Ninguém pergunta: “Você faz este macarrão pensando no seu público?” Escrevi, e minha vida mudou? Pari, e nasceu o quê? Por que gastar anos, suor, para isso?
Alguém me chama. Levanto a cabeça. Um repórter de rádio. Visto o disfarce, guardo a depressão no bolso e sorrio. “Marcelo, você me fez perder um jantar.” Jantar?! Será que o conheço e o deixei esperando em algum restaurante? Dei algum cano nele? Ante as minhas dúvidas, ele logo esclarece: “Fiquei lendo o seu livro e o jantar queimou.” Ah, um leitor estilo íntimo. Ri bem efusivamente para ser simpático. Ah, ah, ah... Que gracinha. Aponta para o livro Feliz Ano Velho e diz: “Assisti ao seriado.” Seriado?! Que seriado?! Virou filme, peça, camiseta, audiobook, bóton, anúncio de computador. Mas seriado?! Minha vida não vale tanto.
Me pergunto por que comecei a escrever, por que publiquei um livro e por que não fiquei quieto, no meu canto. Passo a invejar Salinger, autor de O Apanhador no Campo de Centeio, que não dá entrevistas, não se deixa ser fotografado e mora numa montanha, aposentado, depois de ter escrito quatro livros. Passa o dia cortando lenha e nunca mais escreveu.
Leitores invasores; querem me retalhar! Consumam, consumam, consumam. “Vai ficar até quando?” “Você é de São Paulo?” “Te vi na televisão.” “Você, você, você, me dá um autógrafo, me dá uma foto, me dá um sorriso, me dá!”
Vou-me embora com a minha tiete dessas horas: a depressão. Recito o meu mantra preferido: “Eu vou parar, um dia paro, eu vou parar...”

Marcelo Rubens Paiva, in Crônicas para ler na Escola

Nenhum comentário:

Postar um comentário