domingo, 17 de dezembro de 2023

Cartas na Rua | 9


No Natal, convidei Betty para ficar comigo. Ela assou um peru e nós bebemos. Betty sempre gostou de enormes árvores de Natal. A nossa devia ter uns três metros e meio de altura por um e meio de largura, coberta de luzes, lâmpadas, lantejoulas e penduricalhos. Bebemos várias garrafas de uísque, fizemos amor, comemos nosso peru, bebemos um pouco mais. O prego do suporte estava folgado, e o suporte não era grande o suficiente para sustentar a árvore. Eu tinha que apertá-lo seguidamente. Betty, esticada na cama, apagou. Eu bebia no chão, de cuecas. Depois me estiquei. Fechei os olhos. Alguma coisa me acordou. Abri os olhos. A tempo apenas de ver a enorme árvore coberta de luzes quentes se inclinar lentamente em minha direção, uma estrela pontuda caindo sobre mim feito um punhal. Não percebi direito o que era. Parecia o fim do mundo. Não pude me mover. Os braços da árvore tinham me envolvido. Eu estava debaixo dela. As lâmpadas estavam vermelhas de tão quentes.
OH, OH JESUS CRISTO, TENDE PIEDADE! DEUS, ME AJUDE! DEUS! JESUS! JESUS! SOCORRO!
As lâmpadas estavam me queimando. Rolei para a esquerda, não consegui sair, então rolei para a direta.
IAU!
Finalmente consegui escapar rolando. Betty estava de pé.
O que houve? O que foi isso?
NÃO ESTÁ VENDO? ESSA MALDITA ÁRVORE TENTOU ME MATAR!
O quê?
SIM, OLHE PARA MIM!
Eu tinha marcas vermelhas pelo corpo todo.
Ah, que peninha!
Avancei e desliguei a tomada da parede. As luzes se apagaram. A coisa morreu.
Ah, minha arvorezinha!
Sua pobre arvorezinha?
É, ela era tão linda!
Vou ajeitá-la de novo pela manhã. Não confio nela agora. Vou dar uma folga para ela pelo resto da noite.
Ela não gostou daquilo. Senti uma discussão nascendo, então resolvi levantar a coisa e colocá-la atrás de uma cadeira e reacender as luzes. Se aquela coisa tivesse queimado seus peitos ou o seu rabo, ela a teria jogado pela janela. Achei que eu estava sendo bastante gentil ao fazer isso.

Vários dias depois do Natal, dei uma parada para ver Betty. Ela estava sentada em seu quarto, bêbada, às 8h45 da manhã. Sua aparência não era boa, mas a minha também não. Parecia que quase todos os pensionistas tinham pagado a ela uma dose. Havia vinho, vodca, bourbon, scotch. As marcas mais baratas. As garrafas enchiam o quarto.
Esses filhos da puta! Não têm nada melhor para fazer? Se você beber essa coisa toda vai acabar morrendo!
Betty apenas me olhou. Entendi tudo o que havia naquele olhar.
Ela tinha dois filhos que nunca vinham visitá-la, nunca escreviam. Era uma mulher liquidada num hotel barato. Na primeira vez que a vi, suas roupas eram caras, os tornozelos torneados dentro de sapatos caros. Suas carnes eram rijas, e ela, quase bonita. Olhos selvagens. Sorridente. Vinha de um marido rico, de quem se divorciou, e ele acabou morrendo em um acidente de carro, bêbado, carbonizado em Connecticut. “Você nunca conseguirá domá-la”, era o que me diziam.
Ali estava ela. Mas eu tinha tido alguma ajuda.
Escute aqui — eu disse —, vou ter de levar essas coisas. Quero dizer, lhe devolvo uma garrafa de vez em quando. Não vou bebê-las.
Deixe as garrafas — disse Betty. Ela não olhava para mim. O quarto dela ficava no último andar, e ela ficava sentada numa cadeira junto à janela, olhando o tráfego matinal.
Afastei-me.
Olhe, estou acabado. Tenho que ir embora. Mas pelo amor de Deus, pegue leve nas bebidas.
Claro — ela disse.
Inclinei-me e dei um beijo de despedida nela.

Cerca de uma semana e meia depois, voltei. Não houve resposta à minha batida na porta.
Betty! Betty! Você está bem?
Girei a maçaneta. A porta estava aberta. A cama estava revirada. Havia uma enorme mancha de sangue no lençol.
Que merda! — eu disse. Olhei em volta. Todas as garrafas tinham sumido.
Depois voltei a olhar mais uma vez ao redor. Havia uma mulher francesa de meia-idade que era a dona do lugar. Ela estava junto à porta.
Ela está no Hospital Geral da Prefeitura. Estava muito doente. Chamei a ambulância ontem à noite.
Ela bebeu tudo aquilo?
Teve alguma ajuda.
Desci as escadas e entrei no carro. Logo estava lá. Conhecia bem o lugar. Disseram-me o número do quarto.
Havia três ou quatro camas em um quarto estreito. Havia uma mulher sentada numa cama, no meio do caminho, mastigando uma maçã e rindo com duas visitantes. Puxei a cortina ao redor da cama de Betty, sentei-me no banquinho e me inclinei sobre ela.
Betty! Betty!
Toquei o braço dela.
Betty!
Seus olhos se abriram. Estavam bonitos novamente. De um azul suave e cintilante.
Sabia que seria você — ela disse.
Depois fechou os olhos. Os lábios estavam ressecados. Uma saliva amarelada tinha se solidificado no canto esquerdo da boca. Peguei um pano e limpei. Limpei-lhe o rosto, as mãos, o pescoço. Peguei outro pano e derramei um pouco de água em sua língua. Depois um pouco mais. Molhei-lhe os lábios, arrumei seu cabelo. Dava para escutar as mulheres rindo atrás das cortinas que nos separavam.
Betty, Betty, Betty. Por favor, quero que beba um pouco d’água, só um golinho d’água, não muito, só um golinho!
Ela não respondeu. Tentei por dez minutos. Nada.
Mais saliva se acumulando nos cantos da boca. Limpei os resíduos.
Depois me ergui e puxei a cortina de volta. Encarei as três mulheres.
Saí e falei com a enfermeira no balcão.
Escute, por que nada está sendo feito por aquela mulher no 45-c? Betty Williams.
Estamos fazendo o que podemos, senhor.
Mas não há ninguém lá!
Fazemos nossos turnos regularmente.
Mas onde estão os médicos? Não vejo nenhum médico.
O médico já esteve com ela, senhor.
Por que a deixam abandonada lá?
Já fizemos o que estava a nosso alcance, senhor.
SENHOR! SENHOR! SENHOR! ESQUEÇA ESSA PALHAÇADA DE SENHOR, ESTÁ BEM? Aposto que seria diferente se fosse o presidente ou o governador ou o prefeito ou algum rico filho da puta, então haveria médicos por toda a parte naquele quarto fazendo alguma coisa! Por que vocês simplesmente os deixam morrer? Que pecado há em ser pobre?
Já lhe disse, senhor, que fizemos TUDO o que podíamos!
Voltarei em duas horas.
É o marido dela?
Vivíamos juntos.
Podemos ficar com seu nome e telefone?
Passei as informações e saí apressado.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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