No
Natal, convidei Betty para ficar comigo. Ela assou um peru e nós
bebemos. Betty sempre gostou de enormes árvores de Natal. A nossa
devia ter uns três metros e meio de altura por um e meio de largura,
coberta de luzes, lâmpadas, lantejoulas e penduricalhos. Bebemos
várias garrafas de uísque, fizemos amor, comemos nosso peru,
bebemos um pouco mais. O prego do suporte estava folgado, e o suporte
não era grande o suficiente para sustentar a árvore. Eu tinha que
apertá-lo seguidamente. Betty, esticada na cama, apagou. Eu bebia no
chão, de cuecas. Depois me estiquei. Fechei os olhos. Alguma coisa
me acordou. Abri os olhos. A tempo apenas de ver a enorme árvore
coberta de luzes quentes se inclinar lentamente em minha direção,
uma estrela pontuda caindo sobre mim feito um punhal. Não percebi
direito o que era. Parecia o fim do mundo. Não pude me mover. Os
braços da árvore tinham me envolvido. Eu estava debaixo dela. As
lâmpadas estavam vermelhas de tão quentes.
— OH,
OH JESUS CRISTO, TENDE PIEDADE! DEUS, ME AJUDE! DEUS! JESUS! JESUS!
SOCORRO!
As
lâmpadas estavam me queimando. Rolei para a esquerda, não consegui
sair, então rolei para a direta.
— IAU!
Finalmente
consegui escapar rolando. Betty estava de pé.
— O
que houve? O que foi isso?
— NÃO
ESTÁ VENDO? ESSA MALDITA ÁRVORE TENTOU ME MATAR!
— O
quê?
— SIM,
OLHE PARA MIM!
Eu
tinha marcas vermelhas pelo corpo todo.
— Ah,
que peninha!
Avancei
e desliguei a tomada da parede. As luzes se apagaram. A coisa morreu.
— Ah,
minha arvorezinha!
— Sua
pobre arvorezinha?
— É,
ela era tão linda!
— Vou
ajeitá-la de novo pela manhã. Não confio nela agora. Vou dar uma
folga para ela pelo resto da noite.
Ela
não gostou daquilo. Senti uma discussão nascendo, então resolvi
levantar a coisa e colocá-la atrás de uma cadeira e reacender as
luzes. Se aquela coisa tivesse queimado seus peitos ou o seu rabo,
ela a teria jogado pela janela. Achei que eu estava sendo bastante
gentil ao fazer isso.
Vários
dias depois do Natal, dei uma parada para ver Betty. Ela estava
sentada em seu quarto, bêbada, às 8h45 da manhã. Sua aparência
não era boa, mas a minha também não. Parecia que quase todos os
pensionistas tinham pagado a ela uma dose. Havia vinho, vodca,
bourbon, scotch. As marcas mais baratas. As garrafas enchiam o
quarto.
— Esses
filhos da puta! Não têm nada melhor para fazer? Se você
beber essa coisa toda vai acabar morrendo!
Betty
apenas me olhou. Entendi tudo o que havia naquele olhar.
Ela
tinha dois filhos que nunca vinham visitá-la, nunca escreviam. Era
uma mulher liquidada num hotel barato. Na primeira vez que a vi, suas
roupas eram caras, os tornozelos torneados dentro de sapatos caros.
Suas carnes eram rijas, e ela, quase bonita. Olhos selvagens.
Sorridente. Vinha de um marido rico, de quem se divorciou, e ele
acabou morrendo em um acidente de carro, bêbado, carbonizado em
Connecticut. “Você nunca conseguirá domá-la”, era o que me
diziam.
Ali
estava ela. Mas eu tinha tido alguma ajuda.
— Escute
aqui — eu disse —, vou ter de levar essas coisas. Quero dizer,
lhe devolvo uma garrafa de vez em quando. Não vou bebê-las.
— Deixe
as garrafas — disse Betty. Ela não olhava para mim. O quarto dela
ficava no último andar, e ela ficava sentada numa cadeira junto à
janela, olhando o tráfego matinal.
Afastei-me.
— Olhe,
estou acabado. Tenho que ir embora. Mas pelo amor de Deus, pegue leve
nas bebidas.
— Claro
— ela disse.
Inclinei-me
e dei um beijo de despedida nela.
Cerca
de uma semana e meia depois, voltei. Não houve resposta à minha
batida na porta.
— Betty!
Betty! Você está bem?
Girei
a maçaneta. A porta estava aberta. A cama estava revirada. Havia uma
enorme mancha de sangue no lençol.
— Que
merda! — eu disse. Olhei em volta. Todas as garrafas tinham sumido.
Depois
voltei a olhar mais uma vez ao redor. Havia uma mulher francesa de
meia-idade que era a dona do lugar. Ela estava junto à porta.
— Ela
está no Hospital Geral da Prefeitura. Estava muito doente. Chamei a
ambulância ontem à noite.
— Ela
bebeu tudo aquilo?
— Teve
alguma ajuda.
Desci
as escadas e entrei no carro. Logo estava lá. Conhecia bem o lugar.
Disseram-me o número do quarto.
Havia
três ou quatro camas em um quarto estreito. Havia uma mulher sentada
numa cama, no meio do caminho, mastigando uma maçã e rindo com duas
visitantes. Puxei a cortina ao redor da cama de Betty, sentei-me no
banquinho e me inclinei sobre ela.
— Betty!
Betty!
Toquei
o braço dela.
— Betty!
Seus
olhos se abriram. Estavam bonitos novamente. De um azul suave e
cintilante.
— Sabia
que seria você — ela disse.
Depois
fechou os olhos. Os lábios estavam ressecados. Uma saliva amarelada
tinha se solidificado no canto esquerdo da boca. Peguei um pano e
limpei. Limpei-lhe o rosto, as mãos, o pescoço. Peguei outro pano e
derramei um pouco de água em sua língua. Depois um pouco mais.
Molhei-lhe os lábios, arrumei seu cabelo. Dava para escutar as
mulheres rindo atrás das cortinas que nos separavam.
— Betty,
Betty, Betty. Por favor, quero que beba um pouco d’água, só um
golinho d’água, não muito, só um golinho!
Ela
não respondeu. Tentei por dez minutos. Nada.
Mais
saliva se acumulando nos cantos da boca. Limpei os resíduos.
Depois
me ergui e puxei a cortina de volta. Encarei as três mulheres.
Saí
e falei com a enfermeira no balcão.
— Escute,
por que nada está sendo feito por aquela mulher no 45-c? Betty
Williams.
— Estamos
fazendo o que podemos, senhor.
— Mas
não há ninguém lá!
— Fazemos
nossos turnos regularmente.
— Mas
onde estão os médicos? Não vejo nenhum médico.
— O
médico já esteve com ela, senhor.
— Por
que a deixam abandonada lá?
— Já
fizemos o que estava a nosso alcance, senhor.
— SENHOR!
SENHOR! SENHOR! ESQUEÇA ESSA PALHAÇADA DE SENHOR, ESTÁ BEM? Aposto
que seria diferente se fosse o presidente ou o governador ou o
prefeito ou algum rico filho da puta, então haveria médicos por
toda a parte naquele quarto fazendo alguma coisa! Por que
vocês simplesmente os deixam morrer? Que pecado há em ser pobre?
— Já
lhe disse, senhor, que fizemos TUDO o que podíamos!
— Voltarei
em duas horas.
— É
o marido dela?
— Vivíamos
juntos.
— Podemos
ficar com seu nome e telefone?
Passei
as informações e saí apressado.
Charles Bukowski, in Cartas na Rua
Nenhum comentário:
Postar um comentário