Parece penetrável porque tem uma porta. Ao abri-la, vê-se que se adiou o penetrar: pois por dentro é também uma superfície de madeira, como uma porta fechada. Função: conservar no escuro os travestis. Natureza: a da inviolabilidade das coisas. Relação com pessoas: a gente se olha ao seu espelho sempre em luz inconveniente porque o guarda-roupa nunca está em lugar adequado: gauche, fica de pé onde couber, sempre descomunal, corcunda, tímido, sem saber como ser mais discreto. Guarda-roupa é enorme, intruso, triste, bondoso. Cerra-se, porém, a porta-espelho – e eis que, ao movimento, na nova composição do quarto em sombra, entram frascos e frascos de vidro de claridade fugitiva. (Rápida esperteza do guarda-roupa, contribuição ao quarto, indício de vida dupla, influência no mundo, eminência parda, o verdadeiro poder nos bastidores.)
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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