terça-feira, 5 de dezembro de 2023

Cartas na Rua | 7


Enquanto eu trabalhava no Posto Dorsey, ouvi alguns dos caras da velha guarda espicaçando o Papaizão Greystone sobre como ele tivera que comprar um gravador para aprender seus esquemas. Papaizão gravava as apostilas na fita e depois as escutava de novo. Papaizão era chamado de “Papaizão” por razões óbvias. Ele tinha mandado três mulheres para o hospital por causa do tamanho de sua coisa. Agora encontrara um rosca. Um veado chamado Carter. Ele acabou estraçalhando o cara. Carter teve de ir para um hospital em Boston. A piada era que Carter teve de ir até Boston porque não havia linha o suficiente na Costa Oeste para costurá-lo depois que o Papaizão acabou com ele. Verdade ou não, decidi tentar o gravador. Minhas preocupações eram coisa do passado. Podia deixar o aparelho ligado enquanto dormia. Eu tinha lido em algum lugar que era possível aprender por meio do subconsciente enquanto se estava dormindo. Aquele parecia ser o melhor jeito. Comprei um gravador e algumas fitas.
Eu gravava o esquema na fita, ia para a cama com minha cerveja e ficava ouvindo:
AGORA, HIGGINS DOBRA EM 42 HUNTER, 67 MARKLEY, 71 HUDSON, 84 EVERGLADES! E AGORA, PRESTE ATENÇÃO, CHINASKI, PITTSFIELD DOBRA EM 21 ASHGROVE, 33 SIMONS, 46 NEEDLES!, OUÇA, CHINASKI, OUÇA, WEST-HEAVEN DOBRA EM 11 EVERGREEN, 24 MARKHAM, 55 WOODTREE!, CHINASKI, ATENÇÃO, CHINASKI! PARCHBLEAK DOBRA EM...”
Não funcionou. Minha voz me fazia dormir. Eu não conseguia passar da terceira cerveja.
Depois de algum tempo já não ligava o gravador nem estudava o esquema. Apenas bebia minhas seis latas de cerveja e ia dormir. Não conseguia entender aquele negócio. Até pensei em ir ver um psiquiatra. Ficava imaginando tudo:
Pois não, meu rapaz?”
Bem, o negócio é o seguinte.”
Prossiga. Quer deitar no divã?”
Não, obrigado. Eu acabaria dormindo.”
Prossiga, por favor.”
Bem, eu preciso do meu emprego.”
Isso faz sentido.”
Mas preciso estudar e passar em mais três provas de esquema para permanecer no emprego.”
O que são esses esquemas?”
É para quando as pessoas não colocam os números da zona. Alguém tem de classificar essas cartas. Então precisamos estudar essas apostilas depois de trabalharmos doze horas por noite.”
E?”
Não consigo nem erguer as folhas. Se tento, elas caem da minha mão.”
Não consegue estudar os esquemas?”
Não. E ainda tenho de jogar cem cartas numa caixa de vidro em oito minutos, tendo de acertar pelo menos 95 por cento, ou estou fora. E preciso do emprego.”
Por que não consegue estudar os esquemas?”
É por isso que estou aqui. Para perguntar a você. Devo estar louco. Mas há todas essas ruas e elas dobram em tantos lugares diferentes. Olhe aqui.”
E eu lhe mostraria o esquema de seis páginas, grampeadas no alto, impressas numa fonte pequena, frente e verso.
Ele viraria as páginas.
E você tem, em tese, de decorar tudo isso?”
Sim, doutor.”
Bem, meu rapaz”, ele diria, devolvendo-me as apostilas, “você não está louco por não querer estudar isso. Estaria mais inclinado a dizer que você estaria louco se fizesse isso. São 25 dólares.”
De modo que eu mesmo me analisei e preferi economizar a grana.

Mas alguma coisa tinha de ser feita.
E foi o que fiz. Era por volta de 9h10. Liguei para o escritório central, Departamento de Pessoal.
Srta. Graves. Quero falar com a srta. Graves, por favor.
Alô?
Aí estava ela. A vadia. Amaciei minhas palavras para falar com ela.
Srta. Graves. Aqui é Chinaski. Preenchi um formulário conforme você requisitou declarando os problemas com minha folha corrida. Não sei se a senhorita se lembra de mim.
Lembramos do senhor, sr. Chinaski.
Chegaram já a alguma decisão?
Não por ora. Vamos informá-lo.
Tudo bem, então. Mas estou com um problema.
Sim, sr. Chinaski?
No momento, estou estudando o PC1. — Fiz uma pausa.
Pois não? — ela perguntou.
Acho-o muito difícil, é quase impossível estudar este esquema, conseguir todo o tempo extra necessário para decorá-lo quando já não há quase nenhum tempo sobrando. Quero dizer, posso ser demitido dos Correios a qualquer momento. Não é justo pedirem para que eu estude o esquema nessas condições.
Tudo bem, sr. Chinaski. Vou ligar para a sala do esquema e instruí-los a dispensar o senhor do estudo até que cheguemos a uma decisão.
Muito obrigado, srta. Graves.
Tenha um bom dia — ela disse, e desligou.
Foi mesmo um bom dia. E depois de ter falado manso no telefone, quase decidi descer até o 309. Mas preferi não me arriscar. Fritei alguns ovos com bacon e comemorei com uma lata de cerveja extra.

Charles Bukowski, in Cartas na Rua

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