segunda-feira, 27 de novembro de 2023

And I Love Her | Paul McCartney e John Lennon

Paul e Jane Asher no teatro, 1963

And I Love Her
Compositores: Paul McCartney e John Lennon
Artista: The Beatles
Gravação: Abbey Road Studios, Londres
Lançamento: A Hard Day’s Night, 1964

I give her all my love
That’s all I do
And if you saw my love
You’d love her too
I love her

She gives me everything
And tenderly
The kiss my lover brings
She brings to me
And I love her
A love like ours
Could never die
As long as I
Have you near me

Bright are the stars that shine
Dark is the sky
I know this love of mine
Will never die
And I love her

A charmosa Wimpole Street fica em Marylebone, o tipo do bairro que muita gente visualiza ao pensar em Londres. Parece algo emergido de Mary Poppins – casas geminadas eduardianas com uma formação bastante literária: foi nessa rua que os poetas Elizabeth Barrett e Robert Browning se conheceram (história contada no filme A família Barrett); Virginia Woolf a descreveu como “a mais augusta das ruas de Londres”; e era ali que Henry Higgins, o professor de fonética de Pigmalião, supostamente morava. Mas vamos deixar de lado a família Barrett e todas essas referências. Quero falar de outra família que morava na Wimpole Street. Para ser mais exato, no número 57. A família Asher. E foi na casa de minha namorada Jane Asher que eu escrevi esta canção.
Quando as coisas realmente começaram a engrenar para os Beatles, por volta de 1963, saímos de Liverpool para morar em Londres. Em parte, isso aconteceu porque na capital ficava a “indústria” musical, mas também era um novo mundo de aventuras. A cidade ainda se recuperava dos bombardeios da guerra e passava por uma grande remodelação: no período em que morei na Wimpole Street, a Post Office Tower estava sendo construída, a uns dez minutos a pé da casa dos Asher. Por um tempo, aquele foi o prédio mais alto da cidade, e eu podia avistá-lo da janela de minha mansarda no sótão. Havia uma genuína sensação de renovação e agito em Londres; era um lugar empolgante para se estar.
Eu estava me hospedando na casa de Jane em parte porque não tinha gostado do local que Brian Epstein havia arranjado para nós ficarmos em Mayfair. Ele era um sujeito elegante, de gosto sofisticado, mas o lugar não tinha alma, e embora eu viesse de origens humildes – especialmente comparando com o distrito de Mayfair –, a nossa casa tinha alma, e todas as casas de meus tios e tias tinham alma. E aquele era um flat sem atrativos e sem mobília. Eu tinha apenas 21 anos e nunca pensei em comprar quadros para decoração. Simplesmente me irritei pelo fato de não ter nada pendurado nas paredes.
Jane e eu nos conhecemos na primavera de 1963, quando ela foi ao Royal Albert Hall entrevistar os Beatles para a revista Radio Times. Eu me lembro de que todos ficamos surpresos com os cabelos ruivos dela, porque antes só a tínhamos visto em preto e branco. Ela e eu começamos a namorar pouco depois e, mais perto do fim do ano, os Asher devem ter me ouvido reclamando sobre Mayfair e disseram: “Bem, você não quer ficar aqui?”. Esse gesto seguia a longa tradição de oferecer um sótão a um artista faminto. Assim, ganhei um quartinho lá em cima, perto do quarto do irmão de Jane, Peter. Jane devia ter uns 17, 18 anos, e Peter era um pouco mais velho, 19 ou 20 anos nessa época. E, embora tecnicamente eu fosse um inquilino, eu costumava fazer as refeições com a família e me lembro de que tudo funcionava às mil maravilhas.
Morar lá me abriu os olhos, porque eu nunca tinha visto essa classe de pessoas, exceto talvez na televisão. Nunca tinha conhecido alguém assim antes. Brian Epstein era um tipo classudo, mas não daquele tipo de classe; de certa forma, essa era uma espécie de família do showbiz. Margaret, a mãe de Jane, a levou a testes, e Jane começou fazendo comerciais e coisas assim (o que me faz lembrar da velha canção de Noël Coward, “Don’t Put Your Daughter on the Stage, Mrs. Worthington”, ou “Não coloque sua filha no palco, sra. Worthington”). E com o sucesso de Jane como atriz, participando de filmes desde os anos 1950, acho que Peter e a caçula Clare também fizeram testes.
O fato é que a família sabia tudo sobre arte, cultura e sociedade, enquanto eu não conhecia ninguém que soubesse como fazer testes ou tivesse um agente. Era muito legal ficar naquela casa. Muitos livros para ler, obras de arte nas paredes, conversas interessantes; e Margaret era professora de música. Seja como for, era um lar, e eu sentia muita falta disso desde que eu tinha vindo de Liverpool e desde que a minha mãe tinha morrido, seis ou sete anos antes.
No que diz respeito aos tabloides de fofoca, Jane e eu éramos o que eles chamavam de um “casal badalado”. Tanto que fomos ao teatro uma noite – eu curtia literatura e teatro, e claro que ela, como atriz, também curtia, e isso talvez explique a atração que senti por ela desde o começo –, e no intervalo as luzes se acenderam. Tínhamos decidido não ir ao bar e apenas ficar ali de boa. Tirando uns grandes shows iniciais, eu realmente não estava acostumado com os fardos pessoais impostos pela fama, então estávamos ali conversando em nossos assentos e de repente uns dez paparazzi vieram correndo com aquelas câmeras disparando um flash atrás do outro, como em La Dolce Vita e, num piscar de olhos, dispersaram. Pareciam os guardas Keystone daquele filme pastelão. Mas, meu Deus, ficamos chocados. Alguém do teatro provavelmente deu a dica a eles, a fim de angariar publicidade para a peça.
Mas, justamente porque Jane era minha namorada, eu quis dizer a ela ali mesmo que eu a amava, então essa foi a inspiração inicial desta canção, o gatilho que a desencadeou. Ao ouvi-la, tantos anos depois, acho que é uma melodia bonita. Ela começa em Fá sustenido menor, não com o acorde principal em Mi maior, e você paulatinamente reconstrói seu caminho de volta. Quando eu a concluí, quase na mesma hora senti uma pontinha de orgulho. Pensei: “Esta é das boas”.
Ela realmente me tocou, então pensei que poderia tocar outras pessoas também. Eu a trouxe à sessão de gravação, onde o produtor dos Beatles, George Martin, a ouviu. Estávamos prestes a gravá-la quando ele disparou: “Ficaria melhor com uma introdução”. E eu juro, na mesma hora, George Harrison falou: “Bem, que tal isto?”. E dedilhou o riff de abertura, que é um gancho e tanto; a canção não é nada sem ele. Trabalhávamos muito rápido, e as ideias brotavam espontaneamente.
Vale a pena lembrar outro detalhe. Por iniciativa de George Martin, foi adicionada uma modulação de acordes no solo da canção, uma mudança na tonalidade que ele, com sua experiência, sabia que seria muito satisfatória musicalmente. Mudamos a progressão de acordes para que ela começasse em Sol menor em vez de Fá sustenido menor – ou seja, um semitom para cima. Acho que o treinamento clássico de George Martin lhe sugeriu que seria uma mudança realmente interessante. E é. Esse tipo de ajuda foi o que tornou o material dos Beatles melhor do que o de outros compositores. No caso desta canção, os dois Georges – George Harrison com a introdução e depois George Martin na mudança de tonalidade para o solo – deram-lhe uma força musical extra. Estávamos dizendo às pessoas: “Somos um pouquinho mais musicais do que o normal”. E então, é claro, a canção – que agora está em Fá maior ou, possivelmente, Ré menor – por fim desemboca naquele brilhante acorde em Ré maior, uma conclusão doce e agradável. Fiquei com muito orgulho dela. Foi muito gratificante ter escrito e gravado esta canção para Jane.
Muitos anos depois, e um bom tempo após termos morado no distrito de St. John’s Wood, topei com ela quando fui a um médico na Wimpole Street, em Marylebone. Fui indo pela rua e me bateu uma nostalgia. Quando passei pela casa, pensei: “Uau, que recordações incríveis esse lugar me traz”. E segui até onde ficava o meu médico. Apertei a campainha. Súbito, senti uma presença atrás de mim. Eu me virei, e era Jane. Falei: “Meu Deus, eu estava justamente pensando em você e na sua casa”.
Essa foi a última vez que a vi, mas as lembranças não esvanecem.

Paul McCartney: As Letras – 1956 até o presente

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