Terça-feira
acordamos atrasados. Ele tinha reunião com os investidores, eu tinha
que resolver urgências do escritório. No entanto, já estabelecemos
que a pressa não nos deve subtrair o café da manhã por razões de
saúde do corpo, do bolso e do relacionamento.
Ele
pegou o pão, o queijo e o peito de peru para colocar no tostex. Eu
peguei o leite, a banana meio velha e o farelo de aveia para bater no
liquidificador. Os sanduíches ficaram prontos, a vitamina de banana
cansada também. Peguei os copos, pousei-os ao lado do
liquidificador. Peguei o vidro de farelo de aveia para guardar no
armário. Ele tirou a tampa do liquidificador e segurou a base para
puxá-lo.
Foi
então que a terça-feira começou.
A
mão que pretendia segurar a base acabou pressionando o botão para
ligar o aparelho – que já estava sem tampa. Eu não sei se consigo
narrar o que houve.
Voou
vitamina de banana até em lugares que eu nem sabia que existiam na
nossa cozinha. A parte óbvia foi nas paredes, no armário, no chão,
no teto. A parte surpreendente foi a vitamina de banana que entrou na
cafeteira, no puxador da máquina de lavar louça, na caixa de
Ferrero Rocher, nos buracos vagos de comprimidos da minha cartela de
vitamina C. Eu fui salva pela porta do armário que se fez de escudo
matinal, já o pijama dele foi perda total.
Eu
ri. Ri bastante. Ele não achou muita graça. Sobretudo quando
percebemos o cheiro de queimado. O benjamim que ligava o
liquidificador, a cafeteira e o tostex à tomada estava coberto de
vitamina. Curto-circuito, o plástico branco pretejou. O
liquidificador queimou. O fusível caiu, ficamos sem luz. Limpamos a
cozinha, nos atrasamos mais e fomos tomar o que restava do café.
Dois
copos, cada um com três dedos da vitamina de banana que sobrou e
dois sanduíches tostados frios. Sentamos na varanda. Eu ri. Ele riu.
Uma abelha entrou no meu copo. Nem tentei discutir com ela. Só
pensei na minha sorte.
Sorte
por ele existir e sujar tudo. Sorte por limparmos a cozinha juntos.
Sorte de achar graça na vitamina voadora de banana cansada. Sorte
por acreditar na sorte. Sorte por ver tanto amor naquela manhã
errada.
Parece
que a alegria bate na porta todas as manhãs. A questão é deixá-la
entrar ou não. E entender que às vezes ela entra em forma de boa
notícia, de beijo na testa, de raio de sol ou de cozinha imunda.
Parece que a sorte é permitir que ela entre e saber reconhecê-la,
ainda que pouco óbvia.
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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