Neruda
amava brincar com as palavras.
“Sim
senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que contam, as que
sobem e baixam... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas,
persigo-as, mordo- -as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As
inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de
repente caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras coloridas,
saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho...
Persigo algumas palavras. São tão belas que quero colocá-las todas
em meu poema... Agarro-as no voo, quando vão zumbindo, e capturo-as,
limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas,
vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas,
como ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, agito-as,
bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as, como
estalactites em meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como
carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda... Tudo está
na palavra...” (Pablo Neruda, Confesso que vivi, p. 51).
As
coisas que dão prazer sem ter nenhuma utilidade têm o nome de
brinquedos. Empinar uma pipa, rodar pião, jogar sinuca, armar
quebra-cabeças, pular corda, jogar xadrez. Haverá atividades mais
tolas que essas? Tolas, sim, quando analisadas do ponto de vista da
razão instrumental: ao final, tudo fica do mesmo jeito. Nada é
produzido. A Feira das Utilidades declara: “Aqui não há lugar
para tais atividades”. São inúteis. Não servem para nada. Mas o
corpo discorda. As ideias do meu corpo não são as ideias da minha
cabeça. De fato, o mundo fica do mesmo jeito, diz o corpo. Mas não
eu. Eu fico alegre. E a alegria se basta. Ela não deseja nada além
dela! E assim, alegremente, o corpo deixa o trabalho para brincar. Um
brinquedo é um objeto com que se faz amor, um objeto amado. E “cada
objeto amado é o centro de um paraíso”, diz Novalis. O Paraíso
mora dentro de uma caixa de brinquedos.
Rubem Alves, in Variações sobre o prazer
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