terça-feira, 12 de setembro de 2023

O Paraíso mora dentro de uma caixa de brinquedos

Neruda amava brincar com as palavras.
Sim senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que contam, as que sobem e baixam... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo- -as, derreto-as... Amo tanto as palavras... As inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras. São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema... Agarro-as no voo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as, como estalactites em meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio, presentes da onda... Tudo está na palavra...” (Pablo Neruda, Confesso que vivi, p. 51).
As coisas que dão prazer sem ter nenhuma utilidade têm o nome de brinquedos. Empinar uma pipa, rodar pião, jogar sinuca, armar quebra-cabeças, pular corda, jogar xadrez. Haverá atividades mais tolas que essas? Tolas, sim, quando analisadas do ponto de vista da razão instrumental: ao final, tudo fica do mesmo jeito. Nada é produzido. A Feira das Utilidades declara: “Aqui não há lugar para tais atividades”. São inúteis. Não servem para nada. Mas o corpo discorda. As ideias do meu corpo não são as ideias da minha cabeça. De fato, o mundo fica do mesmo jeito, diz o corpo. Mas não eu. Eu fico alegre. E a alegria se basta. Ela não deseja nada além dela! E assim, alegremente, o corpo deixa o trabalho para brincar. Um brinquedo é um objeto com que se faz amor, um objeto amado. E “cada objeto amado é o centro de um paraíso”, diz Novalis. O Paraíso mora dentro de uma caixa de brinquedos.

Rubem Alves, in Variações sobre o prazer

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