17
Todas
as noites, quando me aprontava para sair, Joyce tinha estendido minha
roupa sobre a cama. Eram as roupas mais caras que o dinheiro podia
comprar. Eu nunca usava as mesmas calças, a mesma camisa, os mesmos
sapatos duas noites seguidas. Havia dúzias de roupas diferentes. Eu
vestia o que ela escolhesse para mim. Assim como mamãe costumava
fazer.
Parecia
que eu não havia progredido muito, eu pensava, e então vestia as
peças.
18
Eles
tinham uma coisa chamada Aula de Treinamento, o que nos dava, durante
uns trinta minutos por noite, um alívio para a atividade de carimbar
cartas.
Um
italiano grandalhão subiu ao estrado da sala de aula para nos dizer
algumas verdades.
— ...o
fato é que não há nada como o cheiro de suor sadio e limpo, ao
mesmo tempo que não há nada pior do que o cheiro de suor
entranhado...
Meu
bom Deus, pensei, será que estou ouvindo direito? Esse negócio
certamente é sancionado pelo governo. Esse grande paspalho está me
dizendo para lavar os sovacos. Não fariam isso com um engenheiro ou
com um maestro. Ele está nos rebaixando.
— ...então
tratem de tomar banho todos os dias. Vocês serão julgados tanto
pela aparência quanto por sua produção.
Acho
que ele queria usar a palavra “higiene” em alguma parte, mas ela
simplesmente não combinava com ele.
Então
ele foi até o fundo do tablado e puxou um grande mapa. E estou
falando de algo descomunal. Ocupava metade do palco. Uma luz brilhou
sobre o mapa. E o italiano grandalhão pegou um indicador com ponta
de borracha, como se usava no primário, e apontou para o mapa:
— Pois
bem, estão vendo todo este VERDE? Bem, há um montão dele. Olhem!
Pegou
o indicador e o esfregou pra frente e pra trás sobre a área verde.
Havia
então um sentimento antissoviético mais forte do que agora. A China
não tinha nem começado a alongar os músculos. O Vietnã era uma
festinha de fogos de artifício. Mas ainda assim pensei, devo estar
louco! Estaria ouvindo direito? Mas ninguém no auditório
protestava. Precisavam do emprego. E, de acordo com Joyce, também eu
precisava de um emprego.
Então
ele disse:
— Olhem
aqui! Aí está o Alaska! E lá estão eles! É quase
como se pudessem atravessar com um salto, não é mesmo?
— Pode
crer — disse um desmiolado na primeira fila.
O
italiano soltou o mapa. Ele se enroscou rapidamente em volta de si
mesmo, estalando com um rugido belicoso.
Logo
o italiano avançou até a frente do tablado, apontou o indicador com
ponta de borracha em nossa direção.
— Quero
que vocês entendam que temos que segurar as pontas. Quero que
entendam que CADA CARTA QUE CARIMBAREM, CADA SEGUNDO, CADA MINUTO,
CADA HORA, CADA DIA, CADA SEMANA, CADA CARTA EXTRA QUE VOCÊS
CARIMBAM AJUDA A DERROTAR OS RUSSOS! Bem, isso é tudo por hoje.
Antes que saiam, cada um de vocês receberá sua designação com o
esquema.
Designação
com o esquema. O que era isso?
Alguém
surgiu distribuindo essas folhas.
— Chinaski?
— ele disse.
— Sim?
— Você
fica com a zona 9.
— Muito
obrigado — eu disse.
Não
tinha noção do que eu estava dizendo. A zona 9 era a maior da
cidade. Alguns caras ficavam com zonas bem pequenas. Era o mesmo que
enfrentar aqueles pacotes de sessenta centímetros em 23 minutos —
eles iam simplesmente despejando o negócio em cima de você.
19
Na
noite seguinte, ao transferirem o grupo do prédio principal para o
de treinamento, parei para conversar com Gus, o velho jornaleiro.
Houve um tempo em que Gus chegou a ser o terceiro no ranking dos
meio-médios, mas nunca conseguiu lutar pelo campeonato. Ele atacava
pela esquerda e, como você sabe, ninguém gosta de lutar com um
canhoto — é preciso fazer todo um novo treinamento. Para que se
dar o trabalho? Gus me levou para dentro e bebemos uns goles de sua
garrafa. Então tentei alcançar o grupo.
O
italiano estava esperando junto à porta. Percebeu que me aproximava.
Encontrou-me na metade do caminho.
— Chinaski?
— Diga
lá!
— Você
está atrasado.
Eu
não disse nada. Caminhamos juntos em direção ao prédio.
— Estou
a um passo de lhe dar uma bela advertência.
— Ah,
por favor, não faça isso, senhor! Por favor — eu
disse enquanto caminhávamos.
— Muito
bem — ele disse —, vou deixar passar desta vez.
— Obrigado,
senhor — eu disse, e nós entramos.
E
quer saber de uma coisa? O filho da puta tinha nhaca.
Charles Bukowski, in Cartas na Rua
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