Ora
aconteceu, que, oito dias depois, como eu estivesse no caminho de
Damasco, ouvi uma voz misteriosa, que me sussurrou as palavras da
Escritura (Act., IX, 7): “Levanta-te, e entra na cidade.” Essa
voz saia de mim mesmo, e tinha duas origens: a piedade, que me
desarmava ante a candura da pequena, e o terror de vir a amar
deveras, e desposá-la. Uma mulher coxa! Quanto a este motivo da
minha descida, não há duvidar que ela o achou e mo disse. Foi na
varanda, na tarde de uma segunda-feira, ao anunciar-lhe que na
seguinte manhã viria para baixo. – Adeus, suspirou ela
estendendo-me a mão com simplicidade; faz bem. – E como eu nada
dissesse, continuou:
–Faz
bem em fugir ao ridículo de casar comigo. Ia dizer-lhe que não; ela
retirou-se lentamente, engolindo as lágrimas. Alcancei-a a poucos
passos, e jurei-lhe por todos os santos do céu que eu era obrigado a
descer, mas que não deixava de lhe querer e muito; tudo hipérboles
frias, que ela escutou sem dizer nada.
–Acredita-me?
perguntei eu no fim.
–Não,
e digo-lhe que faz bem.
Quis
retê-la, mas o olhar que me lançou não foi já de súplica, senão
de império. Desci da Tijuca, na manhã seguinte, um pouco
amargurado, outro pouco satisfeito. Vinha dizendo a mim mesmo que era
justo obedecer a meu pai, que era conveniente abraçar a carreira
política... que a constituição... que a minha noiva... que o meu
cavalo…
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
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