Penso
que têm nostalgia de mar estas garças pantaneiras. São viúvas de
Xaraés? Alguma coisa em azul e profundidade lhes foi arrancada. Há
uma sombra de dor em seus voos. Assim, quando vão de regresso aos
seus ninhos, enchem de entardecer os campos e os homens.
Sobre
a dor dessa ave há uma outra versão, que eu sei. É a de não ser
ela uma ave canora. Pois que só grasna — como quem rasga uma
palavra.
De
cantos portanto não é que se faz a beleza desses pássaros. Mas de
cores e movimentos. Lembram Modigliani. Produzem no céu iluminuras.
E propõem esculturas no ar.
A
Elegância e o Branco devem muito às garças.
Chegam
de onde a beleza nasceu?
Nos
seus olhos nublados eu vejo a flora dos corixos.
Insetos
de camalotes florejam de suas rêmiges. E andam pregadas em suas
carnes larvas de sapos.
Aqui
seu voo adquire raízes de brejo. Sua arte de ver caracóis nos
escuros da lama é um dom de brancura.
À
força de brancuras a garça se escora em versos com lodo?
(Acho
que estou querendo ver coisas demais nestas garças. Insinuando
contrastes — ou conciliações? — entre o puro e o impuro etc.
etc. Não estarei impregnando de peste humana esses passarinhos? Que
Deus os livre!)
Manoel de Barros, in Meu quintal é maior do que o mundo
Nenhum comentário:
Postar um comentário