No
meio da noite despertei sonhando com minha filha Rita. Eu a via
nitidamente, na graça de seus cinco anos.
Seus
cabelos castanhos – a fita azul – o nariz reto, correto, os olhos
de água, o riso fino, engraçado, brusco...
Depois
um instante de seriedade; minha filha Rita encarando a vida sem medo,
mas séria, com dignidade.
Rita
ouvindo música; vendo campos, mares, montanhas; ouvindo de seu pai o
pouco, o nada que ele sabe das coisas, mas pegando dele seu jeito de
amar – sério, quieto, devagar.
Eu
lhe traria cajus amarelos e vermelhos, seus olhos brilhantes de
prazer, eu lhe ensinaria a palavra cica, e também a amar os bichos
tristes, a anta e a pequena cutia; o córrego; e a nuvem tangida pela
viração.
Minha
filha Rita em meu sonho me sorria – com pena deste seu pai, que
nunca teve.
Rubem Braga, in 200 crônicas Escolhidas
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