Era
só água e sol de primeiro este recanto. Meninos cangavam sapos.
Brincavam de primo com prima. Tordo ensinava o brinquedo “primo com
prima não faz mal: finca finca”. Não havia instrumento musical.
Os homens tocavam gado. As coisas ainda inominadas. Como no começo
dos tempos.
Logo
se fez a piranha. Em seguida os domingos e feriados. Depois os
cuiabanos e os beira-corgos. Por fim o cavalo e o anta batizado.
Nem
precisaram dizer crescei e multiplicai. Pois já se faziam filhos e
piadas com muita animosidade.
Conhecimentos
vinham por infusão pelo faro dos bugres pelos mascates.
O
homem havia sido posto ali nos inícios para campear e hortar. Porém
só pensava em lombo de cavalo. De forma que só campeava e não
hortava.
Daí
que campear se fez de preferência por ser atividade livre e andeja.
Enquanto que hortar prendia o ente no cabo da enxada. O que não era
bom.
No
começo contudo enxada teve seu lugar. Prestava para o peão
encostar-se nela a fim de prover seu cigarrinho de palha. Depois, com
o desaparecimento do cigarro de palha, constatou-se a inutilidade das
enxadas.
— O
homem tinha mais o que não fazer!
Foi
muito soberano mesmo no começo dos tempos este cortado. Burro não
entrava em seus pastos. Só porque burro não pega perto.*
Porém já hoje há quem trate os burros como cavalo. O que é uma
distinção.
*
Burro não pega perto é expressão pantaneira. Nas lides de
campear o pantaneiro usa o cavalo, que é veloz e alcança a rês
desgarrada rapidamente.
O
cavalo pega perto. Mas o burro, não sendo veloz, alcança longe a
rês desgarrada. Por isso se diz que o burro não pega-perto.
(N.A.)
Manoel de Barros, in Meu quintal é maior do que o mundo
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