quinta-feira, 24 de agosto de 2023

A moça ferrada

Falam tanto dessa moça. Ninguém viu,
todos juram.
Cada qual conta coisa diferente,
e todas concordantes.
Dizem que à noite, ela. Ela o quê?
E com quem? Com viajantes
que somem sem rastro
gabando no caminho
os espasmos secretos (tão públicos) da moça.

Sobe a moça
a ladeira da igreja
para a reza de todas as tardes.
De branco perfeitíssimo,
alta, superior, inabordável
(luxúria de mil-folhas sob o véu,
murmura alguém).
À noite é que acontecem coisas
no quarto escuro. Ganidos de prazer,
escutados por quem? se ninguém passa
na rua de altas horas-muro?
Pouco importa, a moça está marcada,
marca de rês na anca, ferro em brasa
de língua popular.

Carlos Drummond de Andrade, in Boitempo – Esquecer para lembrar

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