quarta-feira, 30 de agosto de 2023

1515 – Amberes | Utopia

As aventuras do Novo Mundo fazem ferver as tabernas deste porto flamengo. Uma noite de verão, frente ao cais, Thomas Morus conhece ou inventa Rafael Hithloday, marinheiro das naves de Américo Vespúcio, que diz que descobriu a ilha da Utopia em alguma costa da América.
Conta o navegante que em Utopia não existe o dinheiro nem a propriedade privada. Ali se fomenta o desprezo pelo ouro e pelo consumo supérfluo e ninguém se veste com ostentação. Cada um entrega aos armazéns públicos o fruto de seu trabalho e livremente apanha o que necessita. Se planeja a economia. Não existe egoísmo, que é filho do temor, nem se conhece a fome. O povo escolhe o príncipe e pelo povo ele pode ser deposto; também elege os sacerdotes. Os habitantes de Utopia abominam as guerras e suas honras, embora defendam ferozmente suas fronteiras. Professam uma religião que não ofende a razão e que rejeita as mortificações inúteis e as conversões forçadas. As leis permitem o divórcio mas castigam severamente as traições conjugais, e obrigam a trabalhar seis horas por dia. Divide-se o trabalho e o descanso; divide-se a mesa. A comunidade se encarrega das crianças enquanto seus pais estão ocupados. Os doentes recebem tratamento privilegiado; a eutanásia evita as longas agonias doloridas. Os jardins e as hortas ocupam o maior espaço e em todas as partes soa a música.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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