sexta-feira, 11 de agosto de 2023

1513 – Cuareca | Leoncico

Lutam os músculos para romper a pele. Jamais se apagam os olhos amarelos. Bufam. Mordem o ar. Não há corrente que os aguente quando recebem a ordem de ataque.
Esta noite, por ordem do capitão Balboa, os cães cravarão seus dentes na carne nua de cinquenta índios do Panamá. Destriparão e devorarão cinquenta rebeldes do nefando pecado da sodomia, que para ser mulheres só lhes faltam tetas e parir. O espetáculo terá lugar nesta clareira do monte, entre as árvores que o vendaval de dias atrás arrancou pela raiz. Os soldados disputam os melhores lugares à luz das tochas.
Vasco Núnez de Balboa preside a cerimônia. Seu cão, Leoncico, encabeça os vingadores de Deus. Leoncico, filho de Becerrillo, tem o corpo cruzado de cicatrizes. É mestre em capturas e esquartejamentos. Recebe soldo de alferes e ganha sua parte de ouro e escravos em cada presa de guerra, ouro e escravos.
Faltam dois dias para que Balboa descubra o oceano Pacífico.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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