Três
ou quatro dias depois, Jon estava no telefone.
– Jack
Bledsoe leu o argumento e gosta dele, quer trabalhar nele. Estou
tentando levar ele pra ver você, mas ele diz que não quer ser
esmagado por você. Diz que você tem de vir a ele.
– Isso
vai esmagar menos ele?
– Eu
acho que ele acha que sim.
– Você
acha que ele pode fazer o papel?
– Oh,
sim, ele vem das ruas! Chegou a vender castanhas nas ruas! É de Nova
York!
– Já
vi alguns filmes dele...
– Bem,
e que acha?
– Talvez...
Escuta, ele precisa parar de sorrir o tempo todo, quando não sabe o
que fazer. E tem de parar de esmurrar geladeiras. E tem de parar com
aquele passinho de Nova York, andando como se tivesse uma banana
enfiada no rabo.
– Ele
era boxeador, esse Jack Bledsoe...
– Merda,
nós todos fomos boxeadores...
– Ele
pode fazer o papel, confie em mim...
– Jon,
ele não pode ser Nova Iorque. Esse personagem principal é da
Califórnia. Os garotos da Califórnia são retraídos, feitos de
pau. Não se lançam adoidados, esfriam e imaginam o próximo passo.
Menos pânico. E por baixo de tudo isso, têm a capacidade de matar.
Mas não soltam um monte de fumaça antes.
– Você
diz isso a ele...
– Tudo
bem, quando e onde?
Eram
oito horas da noite em North Hollywood. Estávamos atrasados uns
cinco minutos. Percorríamos vários caminhos escuros em busca de um
apartamento.
– Espero
que ele tenha algo pra beber. A gente devia ter trazido alguma coisa.
– Tenho
certeza de que ele tem alguma coisa.
Era
difícil distinguir os números. E então, lá estava Jon de pé numa
sacada.
– Aqui
em cima...
Subi
a escada e segui Jon. Era um dos esconderijozinhos de Jack.
Jon
empurrou a porta e entramos. Eles se sentavam num velho sofá. Jack
Bledsoe e seu companheiro Lenny Fidelo. Fidelo fazia papéis
importantes. Jack Bledsoe parecia exatamente Jack Bledsoe. Lenny era
um cara grandão, largo, meio gordo. Fora marcado pela vida, tivera
seus esfregões com ela. Eu gostava dele. Grandes olhos tristes. Mãos
grandes. Parecia solitário, cansado, legal.
Fizeram-se
as apresentações.
– Quem
é esse cara? – perguntei a Jack, indicando Lenny. – Seu
guarda-costa?
– É
– disse Jack.
Jon
apenas sorria, de pé, como se aquilo fosse uma reunião de grandes
almas. Mas a gente nunca sabe.
– Tem
alguma coisa pra beber? – perguntei.
– Só
cerveja. Está bem cerveja?
– Tudo
bem – eu disse.
Lenny
saiu para buscar a cerveja em outro aposento. Eu sentia por Sarah,
que não morria de amores por cerveja.
Nas
paredes, viam-se posters de boxe. Dei uma circulada, olhando-os.
Sensacionais. Alguns eram muito antigos. Comecei a me sentir machão
só de olhar pra eles.
Molas
saltavam do sofá, e almofadas espalhavam-se pelo chão, junto com
sapatos, revistas, sacolas de papel.
– Isto
aqui é uma verdadeira garçonniere – riu Sarah.
– É,
é, eu gosto – eu disse. – Já morei em muita espelunca, mas
nunca em nada assim.
– Nós
gostamos – disse Jack.
Lenny
voltava com as cervejas. Latas. Nós as abrimos e nos sentamos, dando
uma ou duas goladas.
– Então,
leu o argumento? – perguntei a Jack.
– Li.
Aquele cara é você?
– É,
há muito tempo.
– Tomou
um pontapé no rabo – disse Jack.
– A
maior parte do tempo.
– Você
fazia mesmo biscates em troca de sanduíches? – perguntou Jack.
– A
maior parte do tempo.
A
cerveja era boa. Fez-se silêncio.
– Bem,
que acha? – perguntou Jon.
– Quer
dizer, de Jack?
– É.
– Ele
serve. A gente vai ter de amassar ele um pouco.
– Mostra
aí seu estilo de briga – disse Jack.
Eu
me levantei e comecei a boxear.
– Punhos
rápidos – disse Sarah.
Tornei
a me sentar.
– Eu
encaixava bem um soco. Mas me faltava uma certa gana. Não sabia ao
certo o que fazia. Tem mais cerveja?
– Oh,
claro – disse Lenny, que se levantou e foi buscar uma para mim.
Sabia-se
em Hollywood que Jack Bledsoe não gostava de Tom Pell. Gostava de
soltar farpas sobre Tom em quase todas as entrevistas. “Tom vem de
Malibu. Eu venho das ruas.” A mim não me importava de onde vinha
um ator, desde que soubesse atuar. Os dois sabiam. E não havia
nenhuma necessidade de nenhum dos dois atuar como atuam os
escritores.
Lenny
voltou com a cerveja.
– É
a última – disse.
– Oh,
merda, não – eu disse.
– Volto
já – disse Jon.
Saiu
pela porta afora. Tráfico de cerveja. Eu gostava de Jon.
– Você
gosta desse Jon Pinchot como diretor? – perguntou Jack.
– Já
viu o documentário dele sobre Lido Mamin?
– Não.
– Pinchot
não conhece o medo. Adora trepar com a morte.
– Tesão
pela morte, hum?
– Parece.
Mas fez outras coisas além do filme sobre Mamin. Confio nele como
diretor até o fim. Não foi diluído por Hollywood, embora um dia
possa ser.
– E
você?
– Eu
o quê?
– Hollywood
não vai te castrar?
– Não
tem como.
– Famosas
últimas palavras?
– Não,
famosas primeiras palavras.
– Hank
odeia cinema – disse Sarah. – O último filme do qual gostou foi
Farrapo Humano, e você sabe há quantos anos foi isso.
– A
única boa atuação de Ray Milland. Mas eram ases – eu disse.
Aí
senti vontade de fazer xixi, perguntei onde era o banheiro.
Fui
até lá, abri a porta, entrei, fiz meu papel.
Virei-me
para a pia, para lavar as mãos.
Enfiada
na pia, vi uma toalha branca, uma ponta enfiada no ralo e a outra
passando por cima da borda da pia e caindo no chão. Não era uma
visão bonita. E estava encharcada, completamente encharcada. Para
que era aquilo? Que significava? Fora deixada ali após uma orgia?
Para mim, não fazia sentido. Eu sabia que devia significar alguma
coisa. Eu era apenas um cara velho. Estaria o mundo me deixando para
trás? Eu sobrevivera a muitas noites e dias terríveis, muitos deles
repletos de antissignificado, e mesmo assim não podia decifrar
aquela gigantesca toalha encharcada.
E,
pior, Jack sabia que eu ia aparecer. Por que deixaria aquela coisa
ali assim? Seria um recado?
Voltei.
Agora,
se eu fosse um nova-iorquino, teria dito: “Ei, que é que aquela
porra daquela toalha branca encharcada está fazendo naquela porra
daquela pia, hum?”.
Mas
eu era um cara da Califórnia. Simplesmente saí do banheiro e me
sentei, sem dizer nada, imaginando que o que eles faziam era lá com
eles e eu não queria parte alguma naquilo.
Jon
voltara com mais cervejas, e no meu lugar já havia uma lata aberta.
– Quero
Francine Bowers no principal papel feminino – disse Jack. – Acho
que consigo ela.
– Eu
conheço Francine – disse Jon. – Acho que também consigo.
– Por
que os dois não cuidam disso? – perguntou Sarah.
Lenny
foi buscar mais cerveja. Parecia viciado em cerveja. Meu tipo de
sujeito.
– Ei,
acham que têm um papel pra mim nesse filme? – ele perguntou.
Olhei
para Jon,
– Eu
gosto de Lenny na tela – disse Jack.
– Acho
que tem um papel pra você. Eu prometo – disse Jon – encaixar
você.
– Eu
li o argumento – disse Lenny. – Acho que podia fazer o papel do
garçom do bar.
– Ora,
vamos – eu disse. – Não vai querer espancar seu companheiro Jack
aqui, vai?
– Não
tem problema – disse Lenny.
– Ééé
– disse Jack. – Ele já fez isso antes. Me quebrou os dentes.
– Foi
mesmo? – perguntou Sarah.
– E
como – disse Jack.
Tomamos
a cerveja. Falamos sobretudo de amenidades, sobre os muitos feitos de
Lenny. Ele não apenas pagava o que devia, como tornava a cobrar o
que pagara.
Quando
a cerveja já quase acabara, achei que era tempo de ir embora.
Fiz
mais uma corrida ao banheiro, depois Sarah e eu nos dirigimos à
porta.
Então,
na porta, aconteceu uma coisa estranha. Perguntei a Jack:
– Escuta,
cara, que porra faz aquela toalha grande encharcada pendurada na pia
do seu banheiro?
– Que
toalha grande encharcada? – perguntou Jack.
E
isso foi o fim dessa noite em particular.
Charles Bukowski, in Hollywood
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