sábado, 1 de julho de 2023

Hollywood | 20

Três ou quatro dias depois, Jon estava no telefone.
Jack Bledsoe leu o argumento e gosta dele, quer trabalhar nele. Estou tentando levar ele pra ver você, mas ele diz que não quer ser esmagado por você. Diz que você tem de vir a ele.
Isso vai esmagar menos ele?
Eu acho que ele acha que sim.
Você acha que ele pode fazer o papel?
Oh, sim, ele vem das ruas! Chegou a vender castanhas nas ruas! É de Nova York!
Já vi alguns filmes dele...
Bem, e que acha?
Talvez... Escuta, ele precisa parar de sorrir o tempo todo, quando não sabe o que fazer. E tem de parar de esmurrar geladeiras. E tem de parar com aquele passinho de Nova York, andando como se tivesse uma banana enfiada no rabo.
Ele era boxeador, esse Jack Bledsoe...
Merda, nós todos fomos boxeadores...
Ele pode fazer o papel, confie em mim...
Jon, ele não pode ser Nova Iorque. Esse personagem principal é da Califórnia. Os garotos da Califórnia são retraídos, feitos de pau. Não se lançam adoidados, esfriam e imaginam o próximo passo. Menos pânico. E por baixo de tudo isso, têm a capacidade de matar. Mas não soltam um monte de fumaça antes.
Você diz isso a ele...
Tudo bem, quando e onde?
Eram oito horas da noite em North Hollywood. Estávamos atrasados uns cinco minutos. Percorríamos vários caminhos escuros em busca de um apartamento.
Espero que ele tenha algo pra beber. A gente devia ter trazido alguma coisa.
Tenho certeza de que ele tem alguma coisa.
Era difícil distinguir os números. E então, lá estava Jon de pé numa sacada.
Aqui em cima...
Subi a escada e segui Jon. Era um dos esconderijozinhos de Jack.
Jon empurrou a porta e entramos. Eles se sentavam num velho sofá. Jack Bledsoe e seu companheiro Lenny Fidelo. Fidelo fazia papéis importantes. Jack Bledsoe parecia exatamente Jack Bledsoe. Lenny era um cara grandão, largo, meio gordo. Fora marcado pela vida, tivera seus esfregões com ela. Eu gostava dele. Grandes olhos tristes. Mãos grandes. Parecia solitário, cansado, legal.
Fizeram-se as apresentações.
Quem é esse cara? – perguntei a Jack, indicando Lenny. – Seu guarda-costa?
É – disse Jack.
Jon apenas sorria, de pé, como se aquilo fosse uma reunião de grandes almas. Mas a gente nunca sabe.
Tem alguma coisa pra beber? – perguntei.
Só cerveja. Está bem cerveja?
Tudo bem – eu disse.
Lenny saiu para buscar a cerveja em outro aposento. Eu sentia por Sarah, que não morria de amores por cerveja.
Nas paredes, viam-se posters de boxe. Dei uma circulada, olhando-os. Sensacionais. Alguns eram muito antigos. Comecei a me sentir machão só de olhar pra eles.
Molas saltavam do sofá, e almofadas espalhavam-se pelo chão, junto com sapatos, revistas, sacolas de papel.
Isto aqui é uma verdadeira garçonniere – riu Sarah.
É, é, eu gosto – eu disse. – Já morei em muita espelunca, mas nunca em nada assim.
Nós gostamos – disse Jack.
Lenny voltava com as cervejas. Latas. Nós as abrimos e nos sentamos, dando uma ou duas goladas.
Então, leu o argumento? – perguntei a Jack.
Li. Aquele cara é você?
É, há muito tempo.
Tomou um pontapé no rabo – disse Jack.
A maior parte do tempo.
Você fazia mesmo biscates em troca de sanduíches? – perguntou Jack.
A maior parte do tempo.
A cerveja era boa. Fez-se silêncio.
Bem, que acha? – perguntou Jon.
Quer dizer, de Jack?
É.
Ele serve. A gente vai ter de amassar ele um pouco.
Mostra aí seu estilo de briga – disse Jack.
Eu me levantei e comecei a boxear.
Punhos rápidos – disse Sarah.
Tornei a me sentar.
Eu encaixava bem um soco. Mas me faltava uma certa gana. Não sabia ao certo o que fazia. Tem mais cerveja?
Oh, claro – disse Lenny, que se levantou e foi buscar uma para mim.
Sabia-se em Hollywood que Jack Bledsoe não gostava de Tom Pell. Gostava de soltar farpas sobre Tom em quase todas as entrevistas. “Tom vem de Malibu. Eu venho das ruas.” A mim não me importava de onde vinha um ator, desde que soubesse atuar. Os dois sabiam. E não havia nenhuma necessidade de nenhum dos dois atuar como atuam os escritores.
Lenny voltou com a cerveja.
É a última – disse.
Oh, merda, não – eu disse.
Volto já – disse Jon.
Saiu pela porta afora. Tráfico de cerveja. Eu gostava de Jon.
Você gosta desse Jon Pinchot como diretor? – perguntou Jack.
Já viu o documentário dele sobre Lido Mamin?
Não.
Pinchot não conhece o medo. Adora trepar com a morte.
Tesão pela morte, hum?
Parece. Mas fez outras coisas além do filme sobre Mamin. Confio nele como diretor até o fim. Não foi diluído por Hollywood, embora um dia possa ser.
E você?
Eu o quê?
Hollywood não vai te castrar?
Não tem como.
Famosas últimas palavras?
Não, famosas primeiras palavras.
Hank odeia cinema – disse Sarah. – O último filme do qual gostou foi Farrapo Humano, e você sabe há quantos anos foi isso.
A única boa atuação de Ray Milland. Mas eram ases – eu disse.
Aí senti vontade de fazer xixi, perguntei onde era o banheiro.
Fui até lá, abri a porta, entrei, fiz meu papel.
Virei-me para a pia, para lavar as mãos.
Enfiada na pia, vi uma toalha branca, uma ponta enfiada no ralo e a outra passando por cima da borda da pia e caindo no chão. Não era uma visão bonita. E estava encharcada, completamente encharcada. Para que era aquilo? Que significava? Fora deixada ali após uma orgia? Para mim, não fazia sentido. Eu sabia que devia significar alguma coisa. Eu era apenas um cara velho. Estaria o mundo me deixando para trás? Eu sobrevivera a muitas noites e dias terríveis, muitos deles repletos de antissignificado, e mesmo assim não podia decifrar aquela gigantesca toalha encharcada.
E, pior, Jack sabia que eu ia aparecer. Por que deixaria aquela coisa ali assim? Seria um recado?
Voltei.
Agora, se eu fosse um nova-iorquino, teria dito: “Ei, que é que aquela porra daquela toalha branca encharcada está fazendo naquela porra daquela pia, hum?”.
Mas eu era um cara da Califórnia. Simplesmente saí do banheiro e me sentei, sem dizer nada, imaginando que o que eles faziam era lá com eles e eu não queria parte alguma naquilo.
Jon voltara com mais cervejas, e no meu lugar já havia uma lata aberta.
Quero Francine Bowers no principal papel feminino – disse Jack. – Acho que consigo ela.
Eu conheço Francine – disse Jon. – Acho que também consigo.
Por que os dois não cuidam disso? – perguntou Sarah.
Lenny foi buscar mais cerveja. Parecia viciado em cerveja. Meu tipo de sujeito.
Ei, acham que têm um papel pra mim nesse filme? – ele perguntou.
Olhei para Jon,
Eu gosto de Lenny na tela – disse Jack.
Acho que tem um papel pra você. Eu prometo – disse Jon – encaixar você.
Eu li o argumento – disse Lenny. – Acho que podia fazer o papel do garçom do bar.
Ora, vamos – eu disse. – Não vai querer espancar seu companheiro Jack aqui, vai?
Não tem problema – disse Lenny.
Ééé – disse Jack. – Ele já fez isso antes. Me quebrou os dentes.
Foi mesmo? – perguntou Sarah.
E como – disse Jack.
Tomamos a cerveja. Falamos sobretudo de amenidades, sobre os muitos feitos de Lenny. Ele não apenas pagava o que devia, como tornava a cobrar o que pagara.
Quando a cerveja já quase acabara, achei que era tempo de ir embora.
Fiz mais uma corrida ao banheiro, depois Sarah e eu nos dirigimos à porta.
Então, na porta, aconteceu uma coisa estranha. Perguntei a Jack:
Escuta, cara, que porra faz aquela toalha grande encharcada pendurada na pia do seu banheiro?
Que toalha grande encharcada? – perguntou Jack.
E isso foi o fim dessa noite em particular.

Charles Bukowski, in Hollywood

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