JORGE
Nada
mais divertido que morar num hospício. Dá trabalho se fingir de
louco. Mas vale a pena. O aluguel é de graça, a comida não é ruim
e você ainda tem diversão vinte e quatro horas por dia. Melhor que
TV a cabo. Tem um gordo que acha que é Napoleão. A parte engraçada
é que ele é gordo. E tem dois metros de altura. E nem sabe direito
quem foi Napoleão. Tem a Dona Valda, que acha que é dona disso
aqui. Tem um louco, o Edmir, que acha que eu sou um armário e
inventou que quer guardar coisas dentro de mim. Às vezes passa horas
me perseguindo. É hilário. Outro dia tivemos um embate físico. Mas
nada grave.
EDMIR
Eu
devia ter feito veterinária, passava o dia cuidando de gatinho. Mas
não. Passo o dia limpando cocô na parede e conversando com
Napoleão. De todos os ramos da enfermagem, saúde mental é o mais
ingrato. Sobretudo num hospício moderninho onde o paciente não usa
camisa de força. Outro dia tomei um tabefe do Jorge, que não queria
tomar o Haldol e saiu gritando: “Eu não sou seu armário!”. Pra
piorar, a Dona Valda, que é a proprietária disso aqui, me obriga a
tomar um remedinho. Ela diz que é bom pra eu sentir na pele o que os
loucos sentem. Resultado: tremedeira, babação. Eu devia ter feito
veterinária.
VALDA
Eu
comecei isso aqui pra ganhar dinheiro. Mas acabei me apegando. Hoje
em dia tem gente querendo comprar o terreno e fazer um
estacionamento. Mas eu não vendo por nada nesse mundo. Os pacientes
precisam de mim. O Edmir é um que eu tenho vontade de levar pra
casa. Um amor de pessoa. De todos os loucos é o que tá aqui há
mais tempo. E até hoje acha que é enfermeiro. Usa jaleco e tudo. Às
vezes tenta empurrar um remédio goela abaixo dos outros e termina em
briga. Não faz por mal. Mas o meu preferido mesmo é o nosso
Napoleão de dois metros de altura. Um amor de pessoa. Ah, não vendo
isso aqui por nada nesse mundo.
JAIME
Nunca
aprovei a forma como a saúde mental era tratada no Brasil. Meu pai
morreu num hospício, lobotomizado, no mesmo ano em que eu me formei
em medicina. Me especializei em psiquiatria. Inventei meu próprio
método. Aqui não tem lobotomia, eletrochoque nem camisa de força.
Todo o mundo aqui é louco. E todo o mundo é médico. Me visto de
Napoleão porque foi a fantasia que eu consegui alugar. Eu deveria
ter pesquisado mais sobre o personagem. Se eu soubesse que ele media
um metro e meio teria escolhido outra fantasia.
Gregório Duvivier, in Put some farofa
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