Quem
escapa a um perigo ama a vida com outra intensidade. E entrei a amar
Virgília com muito mais ardor, depois que estive a pique de a
perder, e a mesma coisa lhe aconteceu a ela. Assim, a presidência
não fez mais do que avivar a afeição primitiva; foi a droga de
Malabar, com que tomamos mais saboroso o nosso amor, e mais prezado
também.
Nos
primeiros dias, depois daquele incidente, folgávamos de imaginar a
dor da separação, se houvesse separação, a tristeza de um e de
outro, à proporção que o mar, como uma toalha elástica, se fosse
dilatando entre nós; e, semelhantes às crianças, que se achegam ao
regaço das mães, para fugir a uma simples careta, fugíamos do
suposto perigo, apertando-nos com abraços.
– Minha
boa Virgília!
– Meu
amor!
– Tu
és minha, não?
– Tua,
tua...
E
assim reatamos o fio da aventura, como a sultana Scheherazade o dos
seus contos. Esse foi, cuido eu, o ponto máximo do nosso amor, o
cimo da montanha, donde por algum tempo divisamos os vales de leste e
de oeste, e por cima de nós o céu tranquilo e azul. Repousado esse
tempo, começamos a descer a encosta, com as mãos presas ou soltas,
mas a descer, a descer…
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
Nenhum comentário:
Postar um comentário