Caro
Gregorio-mais-velho,
Quem
te escreve é o Gregorio-de-sete-anos-de-idade. O motivo desta carta
é o seguinte: percebi, por experiência própria, que o tempo muda
as pessoas (em geral, pra pior). A prova disso é que é insuportável
brincar com qualquer pessoa que tenha mais de dez anos de idade. A
não ser com a vovó Ivna, que é o único adulto que se diverte
brincando de torremoto ou aprendendo a jogar paratiparara. Modéstia
à parte, acho que estou, agora, no meu auge. Faço toda a sequência
do paratiparara com meu melhor amigo Rodrigo em dezessete segundos.
Por isso te escrevo, Gregorio-piorado: para te esclarecer algumas
coisas que você talvez tenha esquecido daqui a vinte anos. Em
primeiro lugar: nunca deixe de ouvir Beatles, e nunca ache que tem
alguma coisa mais legal que Beatles, porque não tem. Em segundo
lugar, aprenda a tocar algum instrumento direito. Assim, quem sabe a
Fanny te dá bola. Terceiro lugar: nunca deixe de brincar de
torremoto. Caso você tenha esquecido, são pedaços de madeira que
podem virar torres, ou casas, ou carros. Ou podem ser só pedaços de
madeira, se você quiser jogar nos amigos. Resumindo: envelheça
igual à vovó. Ah, e tenha uma casa cheia de cachorros. E video
games. E de preferência case com a Fanny. E por favor: continue o
melhor amigo do Rodrigo. Um abraço.
Caro
Gregorio-mais-novo,
É
com muito pesar que eu te escrevo esta carta. Pesar, caso não saiba,
é o contrário de prazer. Para começar: sua avó morreu. Pois é,
isso é estranhíssimo: as pessoas morrem. Até a vó Ivna morre. As
pessoas mais legais do mundo morrem. Morreu seu amigo Rafinha, que
morava no prédio do Rodrigo. Atropelado. Morreu seu primo Guilherme,
que se matou. Não adianta perguntar, eu não sei por quê. O fato é
que na minha casa não tem cachorros, eu não sei tocar bem nenhum
instrumento e nem lembrava do torremoto. Mas nem tudo é ruim. Você
não briga mais com seus irmãos, que são seus novos melhores
amigos, além do Rodrigo e da Julia, que tão namorando (você que
apresentou). E você, tcharã: acabou de se casar. Foi mal, não foi
com a Fanny. Mas foi com uma menina muito mais linda (mal, Fanny).
Ela toca violão. E não só Beatles. Músicas dela. E um dia a gente
vai ter cachorros. Ou filhos, o que vier primeiro. E daí eu juro que
volto a brincar de torremoto. Por enquanto, a vida tá corrida, uma
espécie de paratiparara. Aliás: aproveita enquanto você acha graça
nessas coisas. E aproveita enquanto sua avó tá viva. Você vai
sentir falta.
Gregório Duvivier, in Put some farofa
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