sábado, 3 de junho de 2023

Túnel do tempo | Outubro de 2013

Caro Gregorio-mais-velho,
Quem te escreve é o Gregorio-de-sete-anos-de-idade. O motivo desta carta é o seguinte: percebi, por experiência própria, que o tempo muda as pessoas (em geral, pra pior). A prova disso é que é insuportável brincar com qualquer pessoa que tenha mais de dez anos de idade. A não ser com a vovó Ivna, que é o único adulto que se diverte brincando de torremoto ou aprendendo a jogar paratiparara. Modéstia à parte, acho que estou, agora, no meu auge. Faço toda a sequência do paratiparara com meu melhor amigo Rodrigo em dezessete segundos. Por isso te escrevo, Gregorio-piorado: para te esclarecer algumas coisas que você talvez tenha esquecido daqui a vinte anos. Em primeiro lugar: nunca deixe de ouvir Beatles, e nunca ache que tem alguma coisa mais legal que Beatles, porque não tem. Em segundo lugar, aprenda a tocar algum instrumento direito. Assim, quem sabe a Fanny te dá bola. Terceiro lugar: nunca deixe de brincar de torremoto. Caso você tenha esquecido, são pedaços de madeira que podem virar torres, ou casas, ou carros. Ou podem ser só pedaços de madeira, se você quiser jogar nos amigos. Resumindo: envelheça igual à vovó. Ah, e tenha uma casa cheia de cachorros. E video games. E de preferência case com a Fanny. E por favor: continue o melhor amigo do Rodrigo. Um abraço.

Caro Gregorio-mais-novo,
É com muito pesar que eu te escrevo esta carta. Pesar, caso não saiba, é o contrário de prazer. Para começar: sua avó morreu. Pois é, isso é estranhíssimo: as pessoas morrem. Até a vó Ivna morre. As pessoas mais legais do mundo morrem. Morreu seu amigo Rafinha, que morava no prédio do Rodrigo. Atropelado. Morreu seu primo Guilherme, que se matou. Não adianta perguntar, eu não sei por quê. O fato é que na minha casa não tem cachorros, eu não sei tocar bem nenhum instrumento e nem lembrava do torremoto. Mas nem tudo é ruim. Você não briga mais com seus irmãos, que são seus novos melhores amigos, além do Rodrigo e da Julia, que tão namorando (você que apresentou). E você, tcharã: acabou de se casar. Foi mal, não foi com a Fanny. Mas foi com uma menina muito mais linda (mal, Fanny). Ela toca violão. E não só Beatles. Músicas dela. E um dia a gente vai ter cachorros. Ou filhos, o que vier primeiro. E daí eu juro que volto a brincar de torremoto. Por enquanto, a vida tá corrida, uma espécie de paratiparara. Aliás: aproveita enquanto você acha graça nessas coisas. E aproveita enquanto sua avó tá viva. Você vai sentir falta.

Gregório Duvivier, in Put some farofa

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