Paciente
está deitado no divã. Analista o analisa, de sua poltrona.
ANALISTA
Pode começar.
Paciente
fica em silêncio.
ANALISTA
cinco, dez, quinze, vinte…
Paciente
continua em silêncio, sem entender.
ANALISTA
Sabe o que é isso? É o seu dinheiro indo embora.
PACIENTE
Desculpa. Eu tive uma semana difícil.
ANALISTA
Jura? Um trator levou a tua casa?
PACIENTE
Não.
ANALISTA
Os nazistas descobriram que você e sua família moram escondidos num
sótão?
PACIENTE
Não, até porque…
ANALISTA
Você é um elefante órfão que sofre bullying por ter orelhas
gigantes?
PACIENTE
Não, definitivamente.
ANALISTA
Então a gente precisa redefinir a palavra “difícil”.
PACIENTE
É que tá complicado lá no trabalho.
ANALISTA
É trabalho escravo? Você leva chibatada, limpa porra no chão, leva
surra de rola?
PACIENTE
Não.
ANALISTA
Então vamos ficar felizes com o trabalho?
PACIENTE
Vamos.
Silêncio.
ANALISTA
trinta, quarenta, cinquenta…
PACIENTE
Minha mãe.
ANALISTA
O que é que tem?
PACIENTE
Ela não para de encher o meu saco.
ANALISTA
Eu sei bem como é.
PACIENTE
É.
ANALISTA
A minha também enchia o meu saco. Até que morreu. E adivinha? Parou
de encher meu saco.
PACIENTE
Isso é chato. Mas isso não impede que a minha mãe viva seja bem
chata também.
ANALISTA
Se quiser eu conheço um pessoal que pode dar um jeito na sua mãe.
PACIENTE
Não precisa.
ANALISTA
Então vamos ficar felizes com a mãe viva?
PACIENTE
Vamos.
(silêncio)
ANALISTA
sessenta, setenta, oitenta…
PACIENTE
Já que você falou de morte, meu pai morreu e eu nunca me recuperei.
Analista
levanta da cadeira, vai até o paciente e aperta suas bolas. Ele dá
um grito.
ANALISTA
Eu nasci com uma doença rara que faz com que eu não tenha
testículos nem rim, o que me dá psoríase, sudorese e incontinência
urinária. Meus pais me deixaram num orfanato e quando eu só era
abusado pelos padres eu chamava aquilo de “um dia bom”. Passei a
adolescência traficando quantidades industriais de cocaína que eu
trazia da Colômbia dentro do meu intestino. Fui dedurado e passei
doze anos em Bangu onde eu me formei em “psicanálise de rua”.
Isso aqui não é seriado da GNT, não. Isso aqui é análise de rua,
amigo. Se você quiser eu posso espremer as suas bolas igual a um
tomate cereja.
PACIENTE
Por favor, não faz isso.
ANALISTA
Repete comigo: vamos ser felizes com esta vida.
Ele
repete.
Gregório Duvivier, in Put some farofa
Nenhum comentário:
Postar um comentário