Lançado
em 1978, em Muito (Dentro da estrela azulada), um dos melhores
álbuns de Caetano, este samba-canção virou uma espécie de hino
informal de São Paulo, onde Caetano e Gil moraram na época dos
grandes festivais e do Tropicalismo até dezembro de 1968, quando,
após a decretação do AI-5, foram presos e obrigados a sair do
Brasil.
Apesar
da separação traumática, São Paulo e sua cultura cosmopolita
continuaram para sempre na cabeça e no coração do baiano de Santo
Amaro da Purificação, vindo de Salvador, “outro sonho feliz de
cidade”, que aprende depressa a chamar São Paulo de realidade.
Citando
uma frase melódica e poética do clássico “Ronda”, de Paulo
Vanzolini – “que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São
João” –, Caetano desenvolveu um mosaico de referências e
memórias sobre o melhor e o pior de São Paulo. Do choque inicial
com a dureza e concretude da cidade a seu progressivo encantamento
com a força e a vitalidade da maior metrópole brasileira, com “a
força da grana que ergue e destrói coisas belas”.
Com
uma gravação e um arranjo com sonoridade que remete aos regionais
de samba e choro paulistas, “Sampa” é o avesso do avesso do
saudosismo e da nostalgia, é um tributo emocionado à cidade
contraditória que aprenderam a amar.
Caetano
fez uma espécie de list song, mas com referências e
associações cifradas, que podem ter passado em branco para muitos
ouvintes. Alguns paulistanos são citados explicitamente – Rita
Lee, como “a mais completa tradução” de São Paulo, os Mutantes
e até os Novos Baianos, que, na época, tinham se mudado para a
terra da garoa –, mas há também muitas homenagens percebidas
apenas por connaisseurs. Principalmente a escritores de alguma
forma ligados à Tropicália, como os irmãos Haroldo e Augusto de
Campos (“… vejo surgir teus poetas de campos”); José Agrippino
de Paula (autor do livro Pan-América); o também compositor
Jorge Mautner (o verso “teus deuses da chuva” é uma referência
ao seu livro de estreia, em 1962, Deus da chuva e da morte); e
ainda o diretor José Celso Martinez (em “tuas oficinas de
florestas”, referência ao Teatro Oficina).
Tanta
sofisticação não impediu que “Sampa” virasse um sucesso
imediato nas rádios, e, desde então, mais um item obrigatório em
qualquer lista de clássicos de Caetano.
Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil
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