domingo, 18 de junho de 2023

Sampa | Caetano Veloso, 1978


Lançado em 1978, em Muito (Dentro da estrela azulada), um dos melhores álbuns de Caetano, este samba-canção virou uma espécie de hino informal de São Paulo, onde Caetano e Gil moraram na época dos grandes festivais e do Tropicalismo até dezembro de 1968, quando, após a decretação do AI-5, foram presos e obrigados a sair do Brasil.
Apesar da separação traumática, São Paulo e sua cultura cosmopolita continuaram para sempre na cabeça e no coração do baiano de Santo Amaro da Purificação, vindo de Salvador, “outro sonho feliz de cidade”, que aprende depressa a chamar São Paulo de realidade.
Citando uma frase melódica e poética do clássico “Ronda”, de Paulo Vanzolini – “que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João” –, Caetano desenvolveu um mosaico de referências e memórias sobre o melhor e o pior de São Paulo. Do choque inicial com a dureza e concretude da cidade a seu progressivo encantamento com a força e a vitalidade da maior metrópole brasileira, com “a força da grana que ergue e destrói coisas belas”.
Com uma gravação e um arranjo com sonoridade que remete aos regionais de samba e choro paulistas, “Sampa” é o avesso do avesso do saudosismo e da nostalgia, é um tributo emocionado à cidade contraditória que aprenderam a amar.
Caetano fez uma espécie de list song, mas com referências e associações cifradas, que podem ter passado em branco para muitos ouvintes. Alguns paulistanos são citados explicitamente – Rita Lee, como “a mais completa tradução” de São Paulo, os Mutantes e até os Novos Baianos, que, na época, tinham se mudado para a terra da garoa –, mas há também muitas homenagens percebidas apenas por connaisseurs. Principalmente a escritores de alguma forma ligados à Tropicália, como os irmãos Haroldo e Augusto de Campos (“… vejo surgir teus poetas de campos”); José Agrippino de Paula (autor do livro Pan-América); o também compositor Jorge Mautner (o verso “teus deuses da chuva” é uma referência ao seu livro de estreia, em 1962, Deus da chuva e da morte); e ainda o diretor José Celso Martinez (em “tuas oficinas de florestas”, referência ao Teatro Oficina).
Tanta sofisticação não impediu que “Sampa” virasse um sucesso imediato nas rádios, e, desde então, mais um item obrigatório em qualquer lista de clássicos de Caetano.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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