terça-feira, 6 de junho de 2023

Piloto de Guerra | VIII


Artilheiro!
Capitão?
Você ouviu? Seis caças, seis, na frente, à esquerda!
Ouvi, Capitão!
Dutertre, eles nos viram?
Viram. Viraram para nós. Nós estamos quinhentos metros acima.
Artilheiro, ouviu? Acima quinhentos metros.
Dutertre! Longe ainda?
— … alguns segundos.
Artilheiro, ouviu? Estarão na cauda em alguns segundos.
Agora estou vendo! Um enxame de vespas envenenadas.
Artilheiro! Passaram no través. Você vai ver num segundo. Ali!
Eu… Não estou vendo nada. Ah! Vi!
Eu não os vejo mais!
Estão no nosso encalço?
Estão no nosso encalço!
Subindo rápido?
Não sei… Não creio…
Não!
O que o senhor decide, Capitão?
Foi Dutertre quem falou.
O que você quer que eu decida! E nos calamos.
Não há nada a decidir. Isso pertence exclusivamente a Deus. Se eu virasse, encurtaria o intervalo que nos separava. Como continuamos em frente, na direção do sol, e em grande altitude não se sobe quinhentos metros sem perder o alvo por alguns quilômetros, pode ser que antes de atingirem nossa altura, quando retomarão sua velocidade, já nos tenham perdido ao sol.
Artilheiro, ainda?
Ainda.
Passamos deles?
Hã… Não… Sim!
Pertence a Deus e ao sol.
Prevendo o eventual combate (embora um Grupo de Caça mais assassine do que combata), eu me esforço, lutando contra ele com todos os meus músculos, para desbloquear meus pedais gelados. Tenho uma estranha sensação, mas ainda tenho os caças nos olhos. E ponho todo o meu peso nos comandos rígidos.

Uma vez mais observo que estou, de fato, menos comovido nesta ação, a qual, entretanto, reduz-me a uma espera absurda, do que eu estava ao me equipar. Sinto também uma espécie de raiva. Uma cólera benfazeja.
Mas nenhuma embriaguez do sacrifício. Tenho vontade de morder.
Artilheiro, nós os alcançamos?
Alcançamos, Capitão.
Vai dar.
Dutertre… Dutertre…
Capitão?
Não… Nada.
Que foi, Capitão?
Nada… Achei que… Nada…
Eu não lhes direi nada. Não é coisa que se apronte. Se ensaiar uma espiral, eles verão. Verão que estou esboçando uma espiral…
Não é normal que eu esteja ensopado de suor com cinquenta graus de frio. Não é normal. Oh! Já entendi o que está acontecendo: desmaio devagarinho. Bem devagar…
Vejo o painel de bordo. Não vejo o painel de bordo. Minhas mãos amolecem no manche. Não tenho nem força para falar. Abandono-me. Abandonar-se…
Apertei o tubo de borracha. Recebi no nariz uma golfada que traz a vida. Então não é uma pane de oxigênio. É… Sim, claro, como fui estúpido. É o pedal. Exerci contra meus pedais esforços de estivador, de caminhoneiro. A dez mil metros de altitude, parecia um lutador de circo. Porém, meu oxigênio é limitado. Tinha de consumir com moderação. Pago pela orgia…
Respiro com sofreguidão. Meu coração bate rápido, muito rápido. É como um guizo fraco. Nada direi à minha tripulação. Se eu tentar uma espiral, eles saberão logo! Vejo o painel de bordo… Não vejo o painel de bordo… Sinto-me triste no meu suor.

A vida me voltou lentamente.
Dutertre!
Capitão?
Gostaria de lhe contar o que aconteceu.
Eu achei que…
Mas renuncio a me exprimir. As palavras consomem oxigênio demais, e meus três vocábulos já me tiraram o fôlego. Sou um fraco, fraco convalescente…
Que foi, Capitão?
Não… Nada.
Capitão, o senhor está realmente enigmático!
Estou enigmático. Mas estou vivo.
Não… não nos atingiram…
Ah! Capitão, é provisório! É provisório: tem Arras.
Assim, durante alguns minutos, eu acreditei poder voltar e, no entanto, não observei em mim essa angústia brilhante que, dizem, embranquece os cabelos. E me lembro de Sagon. Do depoimento de Sagon, a quem visitamos alguns dias depois do combate que o abateu, há dois meses, em zona francesa: o que sentira, Sagon, quando os caças o enquadraram, pregaram, de algum modo, em seu poste de execução, considerou-se morto naqueles dez segundos?

Antoine de Saint-Exupéry, in Piloto de Guerra

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