quarta-feira, 14 de junho de 2023

Piloto de Guerra | IX

Eu o revejo com precisão, deitado no leito do hospital. Seu joelho ficou preso e foi quebrado pela empenagem do avião durante o salto de paraquedas, mas Sagon não sentiu o choque. Seu rosto e suas mãos estão gravemente queimados, mas, ao final das contas, ele não sofreu nada de preocupante. Ele nos conta lentamente sua história, com uma voz qualquer, como o relatório de uma tarefa…
Percebi que ele estava atirando quando me vi envolvido em balas traçantes. Meu painel de bordo estourou. Depois, vi um pouco de fumaça, mas não muita, que parecia vir da frente. Pensei que era, você sabe, ali tem um tubo de junção. Ah! Não estava chamejando muito…
Sagon faz bico. Pesa a questão. Julga importante dizer-nos se chamejava muito ou não muito. Hesita:
Mesmo assim era fogo… Então, eu mandei que saltassem.
Pois o fogo, em dez segundos, transforma o avião em tocha!
Abri, então, o canopi. Fiz mal. Entrou ar… O fogo… Fiquei incomodado.
Um forno de locomotiva cospe-lhe no ventre uma torrente de chamas, a sete mil metros de altitude e você ficou incomodado! Não trairei Sagon exaltando seu heroísmo ou seu pudor. Ele não reconheceria nem esse heroísmo nem esse pudor. Ele diria: “Sim, sim, fiquei incomodado…”. Ele faz, aliás, visíveis esforços para ser exato.
E bem sei que o campo da consciência é minúsculo. Ela só aceita um problema de cada vez. Se você brigar de soco e a estratégia da luta o preocupar, não sofrerá pelos socos. Quando quase me afoguei, num acidente de hidroavião, a água, que estava gelada, pareceu-me morna. Ou, mais precisamente: minha consciência não considerou a temperatura da água. Ela estava absorvida por outras preocupações. A temperatura da água não deixou nenhum traço em minha lembrança. Assim, a consciência de Sagon foi absorvida pela técnica da partida. O universo de Sagon se limitava à manivela que desliza o canopi para trás, à certa alça do paraquedas cuja localização o preocupou, e o destino técnico de sua tripulação. “Você saltou?” Nada de resposta. “Ninguém a bordo?” Nada de resposta.
Pensei que estava sozinho. Achei que podia partir… (Ele já estava com o rosto e as mãos tostados). Levantei, pulei a carlinga e me mantive primeiro sobre a asa. Ali, debrucei à frente: não tinha visto o observador…
O observador, morto com um tiro só dos caças, jazia no fundo da carlinga.
Recuei então e, atrás, não vi o artilheiro…
O artilheiro, também, havia desmoronado.
Pensei que estava sozinho…
Ele refletiu:
Se eu soubesse… Podia ter voltado a bordo… Não estava queimando tanto… Eu fiquei assim, muito tempo, na asa… Antes de sair da carlinga, eu tinha compensado o avião para cabrar. O voo estava estabilizado, a respiração suportável e eu me sentia bem. Ah! Fiquei tempo demais na asa… Não sabia o que fazer…
Não que se apresentassem a Sagon problemas inextricáveis: ele pensava estar sozinho a bordo, o avião em chamas e os caças repetiam suas passagens cuspindo projéteis. O que queria nos dizer Sagon é que ele não tinha nenhum desejo. Ele não sentia nada. Dispunha de todo o seu tempo. Imergia numa espécie de ócio infinito. E, ponto por ponto, eu reconhecia essa extraordinária sensação que acompanha às vezes a iminência da morte: um ócio inesperado… Como ela é desmentida pelo real! A imaginária da ofegante precipitação! Sagon permanecia ali, sobre a asa, como ejetado para fora do tempo!
E depois eu saltei — disse ele —, saltei mal. Eu me vi turbilhonar. Tive medo de abrir cedo demais e me enrolar no paraquedas. Esperei ficar estabilizado. Ah, esperei muito tempo.
Sagon, assim, conserva a lembrança de ter, do início ao fim de sua aventura, esperado. Esperou chamejar mais forte. Depois, esperou na asa, não se sabe o quê. E, em queda livre, na vertical para o solo, ainda esperou.
E se tratava de Sagon mesmo, e ainda que se tratasse de um Sagon rudimentar, mais do que de costume, de um Sagon um pouco perplexo que, à beira de um abismo, esperneava entediado.

Antoine de Saint-Exupéry, in Piloto de Guerra

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