Ora,
resolvi enriquecer o meu vocabulário e adquiri o livro Enriqueça o
seu Vocabulário que o sábio Professor Aurélio Buarque de Holanda
Ferreira fez, reunindo o material usado em sua página de Seleções.
Afinal
de contas nós, da imprensa, vivemos de palavras; elas são nossa
matéria-prima e nossa ferramenta; pode até acontecer (pensei eu)
que, usando muitas palavras novas e bonitas em minhas crônicas, elas
sejam mais bem pagas.
Confesso
que não li o livro em ordem alfabética; fui catando aqui e ali o
que achava mais bonito, e tomando nota. Aprendi, por exemplo, que a
calhandra grinfa ou trissa, o pato gradta, o cisne arensa, o camelo
blatera, a raposa regouga, o pavão pupila, a rola turturina e a
cegonha glotera.
Tive
algumas desilusões, confesso; sempre pensei que trintanário fosse
um sujeito muito importante, talvez da corte papal, e mestre Aurélio
afirma que é apenas o criado que vai ao lado do cocheiro na boleia
do carro, e que abre a portinhola, faz recados, etc. Enfim, o que nos
tempos modernos, em Pernambuco, se chama “calunga de caminhão”.
E sicofanta, que eu julgava um alto sacerdote, é apenas um velhaco.
Cuidado, portanto, com os trintanários sicofantas!
Aprendi,
ainda, que Anchieta era um mistagogo e não um arúspice, que os
pelos de dentro do nariz são vibrissas, e que diuturno não é o
contrário do noturno nem o mesmo que diário ou diurno, é o que
dura ou vive muito.
Latíbulo,
gigajoga, julavento, gândara, drogomano, algeroz… tudo são
palavras excelentes que alguns de meus leitores talvez não conheçam,
e cujo sentido eu poderia lhes explicar, agora que li o livro; mas
vejo que assim acabo roubando a freguesia de mestre Aurélio, que
poderia revidar com zagalotes, ablegando-me de sua estima e
bolçando-me contumélias pela minha alicantina de insipiente.
Até
outro dia, minhas flores.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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