A
redatora de um jornal me telefona e pede minha opinião sobre a nova
moda dos seios nus. Esse tipo de enquetinha pelo telefone me aflige,
pois assim de momento jamais me ocorre uma resposta passavelmente
inteligente.
Respondo
com evasivas, mas ela insiste. Acho bonito? Acho imoral?
— Ah,
minha filha, só vendo.
— Só
vendo, como?
— Você
põe o tal monoquíni e venha aqui em casa. Sem ver eu não posso dar
uma opinião.
Ela
me chama de engraçadinho, muito zangada, o que me consterna um
pouco. Afinal de contas é uma colega de jornalismo, uma jovem que
está trabalhando, ganhando sua vida, e eu respeito muito isso, não
gosto de destratar ninguém. Peço-lhe desculpas, se caso minha
resposta a chocou. Ela faz uma pergunta imprevista: — O senhor
deixaria sua filha usar essa moda?
— Deixaria...
isto é, não sei...
Um
silêncio. Ela parece hesitar um pouco em fazer outra pergunta, e
afinal se decide: — Que idade tem sua filha?
Com
delicadeza protesto que não desejo dar uma entrevista sobre minha
família. Não gostaria de ver filha minha envolvida nessa coisa de
entrevista de jornal; dá uma fofoca...
— Mas
o senhor não pode me dizer que idade tem sua filha?
— Não,
não posso. Para lhe falar com franqueza, eu não tenho, nunca tive
uma filha. É um ponto de melancolia em minha vida. Ter uma filha!
Como eu gostaria de minha filha!
— Mas
então como é que o senhor disse que deixava?
— Que
deixava o quê?
— Ora,
sua filha usar a moda nova! O senhor está brincando? Se não quer
dar entrevista, é uma coisa, mas se o senhor quer brincar comigo não
acho graça nenhuma, não precisa inventar que tem uma filha...
— Foi
você quem falou de minha filha, não fui eu. Acredite que não estou
brincando, estou falando sério: tenho mesmo uma certa tristeza em
não ter tido uma filha. Agora é tarde, mesmo porque para ter uma
filha seria preciso ter mulher; isso complica muito as coisas, não
acha? Esse negócio de ter mulher é fogo. Enfim, o melhor é a gente
se conformar; quem não tem filha, o jeito é gostar das filhas dos
outros... Você é filha de quem?
— Eu?
O que é que o senhor tem com isso? Quer saber de uma coisa? Eu até
aprecio as coisas que o senhor escreve, nunca pensei que tivesse uma
conversa tão cretina.
Fico
novamente consternado, e procuro me desculpar: — Bem, eu não quero
insinuar que você seja filha de ninguém. Pelo amor de Deus, não me
leve a mal, mas esse negócio de entrevistinha pelo telefone não dá
certo mesmo, minha filha...
— Não
me chame de minha filha!
— Desculpe,
é uma maneira de dizer, eu não quero insinuar nada, me acredite. E
olhe: se você quiser usar a tal moda, não se preocupe comigo, está
ouvindo? Eu já tenho visto tanta coisa neste mundo que,
francamente...
Mas
corto a frase no meio, porque ela desligou.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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