sexta-feira, 2 de junho de 2023

Enquete pelo telefone

A redatora de um jornal me telefona e pede minha opinião sobre a nova moda dos seios nus. Esse tipo de enquetinha pelo telefone me aflige, pois assim de momento jamais me ocorre uma resposta passavelmente inteligente.
Respondo com evasivas, mas ela insiste. Acho bonito? Acho imoral?
Ah, minha filha, só vendo.
Só vendo, como?
Você põe o tal monoquíni e venha aqui em casa. Sem ver eu não posso dar uma opinião.
Ela me chama de engraçadinho, muito zangada, o que me consterna um pouco. Afinal de contas é uma colega de jornalismo, uma jovem que está trabalhando, ganhando sua vida, e eu respeito muito isso, não gosto de destratar ninguém. Peço-lhe desculpas, se caso minha resposta a chocou. Ela faz uma pergunta imprevista: — O senhor deixaria sua filha usar essa moda?
Deixaria... isto é, não sei...
Um silêncio. Ela parece hesitar um pouco em fazer outra pergunta, e afinal se decide: — Que idade tem sua filha?
Com delicadeza protesto que não desejo dar uma entrevista sobre minha família. Não gostaria de ver filha minha envolvida nessa coisa de entrevista de jornal; dá uma fofoca...
Mas o senhor não pode me dizer que idade tem sua filha?
Não, não posso. Para lhe falar com franqueza, eu não tenho, nunca tive uma filha. É um ponto de melancolia em minha vida. Ter uma filha! Como eu gostaria de minha filha!
Mas então como é que o senhor disse que deixava?
Que deixava o quê?
Ora, sua filha usar a moda nova! O senhor está brincando? Se não quer dar entrevista, é uma coisa, mas se o senhor quer brincar comigo não acho graça nenhuma, não precisa inventar que tem uma filha...
Foi você quem falou de minha filha, não fui eu. Acredite que não estou brincando, estou falando sério: tenho mesmo uma certa tristeza em não ter tido uma filha. Agora é tarde, mesmo porque para ter uma filha seria preciso ter mulher; isso complica muito as coisas, não acha? Esse negócio de ter mulher é fogo. Enfim, o melhor é a gente se conformar; quem não tem filha, o jeito é gostar das filhas dos outros... Você é filha de quem?
Eu? O que é que o senhor tem com isso? Quer saber de uma coisa? Eu até aprecio as coisas que o senhor escreve, nunca pensei que tivesse uma conversa tão cretina.
Fico novamente consternado, e procuro me desculpar: — Bem, eu não quero insinuar que você seja filha de ninguém. Pelo amor de Deus, não me leve a mal, mas esse negócio de entrevistinha pelo telefone não dá certo mesmo, minha filha...
Não me chame de minha filha!
Desculpe, é uma maneira de dizer, eu não quero insinuar nada, me acredite. E olhe: se você quiser usar a tal moda, não se preocupe comigo, está ouvindo? Eu já tenho visto tanta coisa neste mundo que, francamente...
Mas corto a frase no meio, porque ela desligou.

Rubem Braga, in A traição das elegantes

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