Virgília
entrou risonha e sossegada. Os tempos tinham levado os sustos e
vexames. Que doce que era vê-la chegar, nos primeiros dias,
envergonhada e trêmula! Ia de sege, velado o rosto, envolvido numa
espécie de mantéu, que lhe disfarçava as ondulações do talhe. Da
primeira vez deixou-se cair no canapé, ofegante, escarlate, com os
olhos no chão; e, palavra! em nenhuma outra ocasião a achei tão
bela, talvez porque nunca me senti mais lisonjeado.
Agora,
porém, como eu dizia, tinham acabado os sustos e vexames; as
entrevistas entravam no período cronométrico.
A
intensidade de amor era a mesma; a diferença é que a chama perdera
o tresloucado dos primeiros dias para constituir-se um simples feixe
de raios, tranquilo e constante, como nos casamentos.
– Estou
muito zangada com você, disse ela sentando-se.
– Porquê?
– Porque
não foi lá ontem, como me tinha dito. O Damião perguntou muitas
vezes se você não iria, ao menos, tomar chá. Por que é que não
foi?
Com
efeito, eu havia faltado à palavra que dera, e a culpa era toda de
Virgília. Questão de ciúmes. Essa mulher esplêndida sabia que o
era, e gostava de o ouvir dizer, fosse em voz alta ou baixa. Na
antevéspera, em casa da baronesa, valsara duas vezes com o mesmo
peralta depois de lhe escutar as cortesanices, ao canto de uma
janela. Estava tão alegre! tão derramada! tão cheia de si! Quando
descobriu, entre as minhas sobrancelhas, a ruga interrogativa e
ameaçadora, não teve nenhum sobressalto, nem ficou subitamente
séria; mas deitou ao mar o peralta e as cortesanices.
Veio
depois a mim, tomou-me o braço, e levou-me até outra sala, menos
povoada, onde se me queixou de cansaço, e disse muitas outras
coisas, com o ar pueril que costumava ter, em certas ocasiões, e eu
ouvi-a quase sem responder nada.
Agora
mesmo, custava-me responder alguma coisa, mas enfim contei-lhe o
motivo da minha ausência... Não, eternas estrelas, nunca vi olhos
mais pasmados. A boca semiaberta, as sobrancelhas arqueadas, uma
estupefação visível, tangível, que se não podia negar, tal foi a
primeira réplica de Virgília; abanou a cabeça com um sorriso de
piedade e ternura, que inteiramente me confundiu.
– Ora
você!
E
foi tirar o chapéu, lépida, jovial, como a menina que torna do
colégio; depois veio a mim, que estava sentado, deu-me pancadinhas
na testa, com um só dedo, a repetir: - Isto, isto; – e eu não
tive remédio senão rir também, e tudo acabou em galhofa. Era claro
que me enganara.
Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas
Nenhum comentário:
Postar um comentário