sexta-feira, 30 de junho de 2023

Capítulo 77 | Entrevista

Virgília entrou risonha e sossegada. Os tempos tinham levado os sustos e vexames. Que doce que era vê-la chegar, nos primeiros dias, envergonhada e trêmula! Ia de sege, velado o rosto, envolvido numa espécie de mantéu, que lhe disfarçava as ondulações do talhe. Da primeira vez deixou-se cair no canapé, ofegante, escarlate, com os olhos no chão; e, palavra! em nenhuma outra ocasião a achei tão bela, talvez porque nunca me senti mais lisonjeado.
Agora, porém, como eu dizia, tinham acabado os sustos e vexames; as entrevistas entravam no período cronométrico.
A intensidade de amor era a mesma; a diferença é que a chama perdera o tresloucado dos primeiros dias para constituir-se um simples feixe de raios, tranquilo e constante, como nos casamentos.
Estou muito zangada com você, disse ela sentando-se.
Porquê?
Porque não foi lá ontem, como me tinha dito. O Damião perguntou muitas vezes se você não iria, ao menos, tomar chá. Por que é que não foi?
Com efeito, eu havia faltado à palavra que dera, e a culpa era toda de Virgília. Questão de ciúmes. Essa mulher esplêndida sabia que o era, e gostava de o ouvir dizer, fosse em voz alta ou baixa. Na antevéspera, em casa da baronesa, valsara duas vezes com o mesmo peralta depois de lhe escutar as cortesanices, ao canto de uma janela. Estava tão alegre! tão derramada! tão cheia de si! Quando descobriu, entre as minhas sobrancelhas, a ruga interrogativa e ameaçadora, não teve nenhum sobressalto, nem ficou subitamente séria; mas deitou ao mar o peralta e as cortesanices.
Veio depois a mim, tomou-me o braço, e levou-me até outra sala, menos povoada, onde se me queixou de cansaço, e disse muitas outras coisas, com o ar pueril que costumava ter, em certas ocasiões, e eu ouvi-a quase sem responder nada.
Agora mesmo, custava-me responder alguma coisa, mas enfim contei-lhe o motivo da minha ausência... Não, eternas estrelas, nunca vi olhos mais pasmados. A boca semiaberta, as sobrancelhas arqueadas, uma estupefação visível, tangível, que se não podia negar, tal foi a primeira réplica de Virgília; abanou a cabeça com um sorriso de piedade e ternura, que inteiramente me confundiu.
Ora você!
E foi tirar o chapéu, lépida, jovial, como a menina que torna do colégio; depois veio a mim, que estava sentado, deu-me pancadinhas na testa, com um só dedo, a repetir: - Isto, isto; – e eu não tive remédio senão rir também, e tudo acabou em galhofa. Era claro que me enganara.

Machado de Assis, in Memórias Póstumas de Brás Cubas

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