sexta-feira, 16 de junho de 2023

Baixinho

Quando eu era pequeno, não imaginava que continuaria pequeno pelo resto da vida. “Come bastante pra crescer e ficar bem alto”, diziam. Comia com a voracidade de quem quer ter um metro e noventa. Perguntava: “Já estou crescendo?”. Ainda não estava. Era o mais baixo dos meus amigos, mas estava comendo tanto que um dia ultrapassaria todos. Minha mãe, talvez percebendo que a única coisa que esse mito estava gerando era obesidade, confessou: “Gregorio, não importa o que aconteça, você nunca vai passar de um metro e setenta”.
Não importa o que aconteça. Eu estava amaldiçoado. Carregava nas costas o peso do futuro. Chorei por horas, talvez dias, embora possam ter sido só alguns minutos. Queria ser goleiro da Holanda ou detetive da Scotland Yard, profissões de gente alta. “Talvez eu tenha que me contentar com a ginástica olímpica.” E chorei mais um pouquinho.
Quando via um baixinho, batia uma tristeza profunda de lembrar do que estava por vir. Era como aquelas propagandas que diziam: não percam, domingo, no Faustão… Não! O domingo vai chegar! E o Faustão também! A vida é melhor sem saber disso. Até que cresci — não muito, mas cresci. Estacionei no um metro e sessenta e nove, com sensação térmica de um e setenta — o cabelo despenteado ajuda a chegar lá e até hoje checo se a maturidade não me rendeu algum centímetro a mais.
Os amigos desfavorecidos verticalmente me ajudam a superar. Antonio Prata tem na ponta da língua uma lista de baixinhos ilustres, que vão de Millôr Fernandes a Bono Vox, passando por Woody Allen, Al Pacino e, claro, Romário, antena da raça baixinha. Isso conforta. Os baixinhos engrandecem a causa. A não ser pelo Bono Vox, que envergonha a classe e usa salto embutido. Tudo tem limites. Às vezes gosto de alguém e não sei por quê. Depois percebo: é baixinho. Quando cruzo com um de nós, aceno com a cabeça como quem diz: estamos juntos.
Odiamos shows em pé. Ainda comemos como quem um dia quis crescer. Nunca vamos ser goleiros ou detetives da Scotland Yard. Mas nos resta este ponto de vista privilegiado: de baixo pra cima. Além do conforto nas cadeiras da classe econômica.

Gregório Duvivier, in Put some farofa

Nenhum comentário:

Postar um comentário