quarta-feira, 24 de maio de 2023

Piloto de Guerra | VII



Decerto, às vezes, como hoje, a missão não consegue satisfazer. É tão evidente que estamos jogando um jogo que imita a guerra. Brincamos de mocinho e bandido. Observamos corretamente a moral de nossos livros de história e as regras de nossos manuais. Assim, andei esta noite de carro, pelo terreno. E a sentinela, segundo a ordem, cruzou a baioneta diante desse carro que poderia muito bem ser um tanque. Nós brincamos de cruzar a baioneta diante dos tanques.
Como nos exaltaríamos com essas charadas um pouco cruéis, nas quais temos claramente um papel de figurantes, quando nos pedem para aguentar até a morte? É sério demais, a morte, para uma charada.
Quem se equiparia com exaltação? Ninguém. Nem Hochedé, que é uma espécie de santo, tendo atingido esse dom maior permanente que é sem dúvida o acabamento do homem, o próprio Hochedé refugiou-se no silêncio. Os camaradas que se equipam se calam, então, de cara fechada, e não é por pudor de herói. Essa cara fechada não mascara nenhuma exaltação. Diz o que diz. E eu a reconheço. É a cara fechada do gerente que não entende nada das ordens que lhe ditou um patrão ausente. E que, no entanto, permanece fiel: todos os camaradas sonham com seu quarto calmo, mas não há, entre nós, um só que escolhesse verdadeiramente ir dormir.
Porque o importante não é exaltar-se. Não há, na derrota, nenhuma esperança de exaltação. O importante é equipar-se, subir a bordo, decolar. O que pensamos de nós mesmos não tem nenhuma importância. E a criança que se exaltasse à ideia das aulas de gramática pareceria pretensiosa e suspeita. O importante é gerir um objetivo que não se mostra na hora. Esse objetivo não é para a inteligência, mas para o Espírito. O Espírito sabe amar, mas está dormindo. Sei no que consiste a tentação tanto quanto um padre da Igreja. Ser tentado, é ser tentado quando o Espírito dorme, a ceder às razões da inteligência.
De que serve engajar minha vida nesse desmoronamento de montanha? Ignoro-o. Repetiram-me cem vezes: “Deixe-se ser nomeado aqui ou ali. Ali é seu lugar. Você será mais útil do que numa esquadrilha. Pilotos a gente pode formar aos milhares”.* A demonstração era peremptória. Todas as demonstrações são peremptórias. Minha inteligência aprovava, mas meu instinto prevalecia sobre minha inteligência.
Por que esse raciocínio me parecia ilusório enquanto eu nada tinha a objetar? Eu pensava: “Os intelectuais se mantêm na reserva, como vidros de conserva nas prateleiras da Propaganda para serem comidos depois da guerra…”. Não era uma resposta!
Hoje, ainda, como os camaradas, decolei contra todos os argumentos, todas as evidências, todas as reações do momento. Chegará a hora em que saberei que tinha razão contra minha razão. Eu me prometi, se eu viver, fazer esse passeio noturno através da minha vila. Então, talvez, eu mesmo me habitue, enfim. E verei.
Talvez nada tenha a dizer sobre o que eu vir. Quando uma mulher me parece bonita, eu não tenho nada a dizer a respeito. Eu a olho sorrir, simplesmente. Os intelectuais desmontam o rosto para explicar os pedaços, mas não veem mais o sorriso.
Conhecer não é desmontar nem explicar. É chegar à visão. Mas para ver, convém primeiro participar. É uma dura aprendizagem…
Durante todo o dia, minha vila esteve invisível para mim. Tratava-se, antes da missão, de paredes de estuque e de camponeses mais ou menos sujos. Trata-se agora de um pouco de cascalho a dez quilômetros abaixo de mim. Eis a minha vila.
Mas, essa noite, talvez, um cão de guarda desperte e ladre. Eu sempre experimentei a magia de uma cidadezinha que sonha alto, pela voz de um único cão de guarda na noite clara.
Não tenho nenhuma esperança de me fazer compreender, o que me é absolutamente indiferente. Que se mostre, simplesmente, a mim, atrás das portas fechadas sobre provisões de grãos, sobre o gado, os costumes, minha vila bem acomodada para dormir!
Os camponeses, no retorno dos campos, tendo servido a refeição, posto as crianças para dormir e assoprado o lampião, se fundirão em seu silêncio. E nada mais haverá senão, sob os belos lençóis engomados do campo, os lentos movimentos de respiração, como de um resto de marulho, depois do temporal, sobre o mar.
Deus suspende o uso das riquezas durante o balanço noturno. A herança reservada me aparecerá, assim, mais claramente, quando os homens repousarem, com as mãos abertas pelo jogo do sono inflexível que relaxa os dedos até o amanhecer.
Então, talvez eu contemple o que não tem nome. Terei andado como um cego cujo tato conduziu ao fogo. Ele não saberia descrevê-lo e, no entanto, o terá encontrado. Assim, talvez, mostre-se o que convém proteger, o que não se vê, mas dura, à maneira de uma brasa, sob a cinza das noites de vila.
Eu nada tinha a esperar de uma missão fracassada. Para compreender uma simples vila, é preciso primeiro…
Capitão!
Sim?
Seis caças, seis, na frente, à esquerda!
Isso soou como um trovão. É preciso… Precisa… Eu gostaria: entretanto, de ser pago a tempo. Gostaria de ter direito ao amor. Gostaria de saber por quem vou morrer…

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*O autor se refere às várias tentativas que fizeram para dissuadi-lo de participar em esquadrilhas, justamente por já estar com mais de quarenta anos e ter muitas sequelas de seus acidentes anteriores. (N. T.)

Antoine de Saint-Exupéry, in Piloto de Guerra

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