Decerto,
às vezes, como hoje, a missão não consegue satisfazer. É tão
evidente que estamos jogando um jogo que imita a guerra. Brincamos de
mocinho e bandido. Observamos corretamente a moral de nossos livros
de história e as regras de nossos manuais. Assim, andei esta noite
de carro, pelo terreno. E a sentinela, segundo a ordem, cruzou a
baioneta diante desse carro que poderia muito bem ser um tanque. Nós
brincamos de cruzar a baioneta diante dos tanques.
Como
nos exaltaríamos com essas charadas um pouco cruéis, nas quais
temos claramente um papel de figurantes, quando nos pedem para
aguentar até a morte? É sério demais, a morte, para uma charada.
Quem
se equiparia com exaltação? Ninguém. Nem Hochedé, que é uma
espécie de santo, tendo atingido esse dom maior permanente que é
sem dúvida o acabamento do homem, o próprio Hochedé refugiou-se no
silêncio. Os camaradas que se equipam se calam, então, de cara
fechada, e não é por pudor de herói. Essa cara fechada não
mascara nenhuma exaltação. Diz o que diz. E eu a reconheço. É a
cara fechada do gerente que não entende nada das ordens que lhe
ditou um patrão ausente. E que, no entanto, permanece fiel: todos os
camaradas sonham com seu quarto calmo, mas não há, entre nós, um
só que escolhesse verdadeiramente ir dormir.
Porque
o importante não é exaltar-se. Não há, na derrota, nenhuma
esperança de exaltação. O importante é equipar-se, subir a bordo,
decolar. O que pensamos de nós mesmos não tem nenhuma importância.
E a criança que se exaltasse à ideia das aulas de gramática
pareceria pretensiosa e suspeita. O importante é gerir um objetivo
que não se mostra na hora. Esse objetivo não é para a
inteligência, mas para o Espírito. O Espírito sabe amar, mas está
dormindo. Sei no que consiste a tentação tanto quanto um padre da
Igreja. Ser tentado, é ser tentado quando o Espírito dorme, a ceder
às razões da inteligência.
De
que serve engajar minha vida nesse desmoronamento de montanha?
Ignoro-o. Repetiram-me cem vezes: “Deixe-se ser nomeado aqui ou
ali. Ali é seu lugar. Você será mais útil do que numa
esquadrilha. Pilotos a gente pode formar aos milhares”.* A
demonstração era peremptória. Todas as demonstrações são
peremptórias. Minha inteligência aprovava, mas meu instinto
prevalecia sobre minha inteligência.
Por
que esse raciocínio me parecia ilusório enquanto eu nada tinha a
objetar? Eu pensava: “Os intelectuais se mantêm na reserva, como
vidros de conserva nas prateleiras da Propaganda para serem comidos
depois da guerra…”. Não era uma resposta!
Hoje,
ainda, como os camaradas, decolei contra todos os argumentos, todas
as evidências, todas as reações do momento. Chegará a hora em que
saberei que tinha razão contra minha razão. Eu me prometi, se eu
viver, fazer esse passeio noturno através da minha vila. Então,
talvez, eu mesmo me habitue, enfim. E verei.
Talvez
nada tenha a dizer sobre o que eu vir. Quando uma mulher me parece
bonita, eu não tenho nada a dizer a respeito. Eu a olho sorrir,
simplesmente. Os intelectuais desmontam o rosto para explicar os
pedaços, mas não veem mais o sorriso.
Conhecer
não é desmontar nem explicar. É chegar à visão. Mas para ver,
convém primeiro participar. É uma dura aprendizagem…
Durante
todo o dia, minha vila esteve invisível para mim. Tratava-se, antes
da missão, de paredes de estuque e de camponeses mais ou menos
sujos. Trata-se agora de um pouco de cascalho a dez quilômetros
abaixo de mim. Eis a minha vila.
Mas,
essa noite, talvez, um cão de guarda desperte e ladre. Eu sempre
experimentei a magia de uma cidadezinha que sonha alto, pela voz de
um único cão de guarda na noite clara.
Não
tenho nenhuma esperança de me fazer compreender, o que me é
absolutamente indiferente. Que se mostre, simplesmente, a mim, atrás
das portas fechadas sobre provisões de grãos, sobre o gado, os
costumes, minha vila bem acomodada para dormir!
Os
camponeses, no retorno dos campos, tendo servido a refeição, posto
as crianças para dormir e assoprado o lampião, se fundirão em seu
silêncio. E nada mais haverá senão, sob os belos lençóis
engomados do campo, os lentos movimentos de respiração, como de um
resto de marulho, depois do temporal, sobre o mar.
Deus
suspende o uso das riquezas durante o balanço noturno. A herança
reservada me aparecerá, assim, mais claramente, quando os homens
repousarem, com as mãos abertas pelo jogo do sono inflexível que
relaxa os dedos até o amanhecer.
Então,
talvez eu contemple o que não tem nome. Terei andado como um cego
cujo tato conduziu ao fogo. Ele não saberia descrevê-lo e, no
entanto, o terá encontrado. Assim, talvez, mostre-se o que convém
proteger, o que não se vê, mas dura, à maneira de uma brasa, sob a
cinza das noites de vila.
Eu
nada tinha a esperar de uma missão fracassada. Para compreender uma
simples vila, é preciso primeiro…
— Capitão!
— Sim?
— Seis
caças, seis, na frente, à esquerda!
Isso
soou como um trovão. É preciso… Precisa… Eu gostaria:
entretanto, de ser pago a tempo. Gostaria de ter direito ao amor.
Gostaria de saber por quem vou morrer…
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*O autor se refere às várias tentativas que fizeram para dissuadi-lo
de participar em esquadrilhas, justamente por já estar com mais de
quarenta anos e ter muitas sequelas de seus acidentes anteriores. (N.
T.)
Antoine de Saint-Exupéry, in Piloto de Guerra
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