Não
tem jeito: se você for mulher e disser que gosta de futebol,
provavelmente pensarão: “Bonitinha. Deve saber quem é o Neymar, o
Ronaldo e o Rogério Ceni. Talvez já tenha ouvido falar no Valdívia.
Deve saber a diferença entre pênalti e falta. Talvez saiba que o
Boca Juniors é argentino. E pode até ter ido uma ou duas vezes ao
estádio, acompanhando o pai ou namorado, claro.”
Pronto.
Isso é o máximo de credibilidade que vão te dar.
Mas
a gente não se deixa intimidar. Finge que não sabe que vai chocar a
audiência e comenta na boa: “Até que o Criciúma segurou bem
aquele 1 a 0 no primeiro tempo, mas não tem jeito, o time é fraco
mesmo, tava na cara que o Cruzeiro ia virar até o final. E 3 a 1
acabou até saindo barato.”
É
nessas horas que as pessoas olham para a gente completamente pasmas.
Como se tivéssemos discorrido de forma aleatória sobre física
quântica ou epistemologia. Qualquer coisa que a gente diga que não
seja do tipo “Ai, mas o Pato é mesmo uma gracinha” vai chocar
quem ouve.
Experimente
dizer que não quer ir ao cinema na sessão de domingo às 17h porque
tem jogo.
Experimente
falar, numa quinta-feira, que vai ao estádio só com uma amiga, como
eu fiz diversas vezes.
Experimente
deixar a TV no VT de Flamengo x Chapecoense enquanto pinta a unha do
pé, e alguém entrar no seu quarto.
Experimente
deixar alguém entrar no seu carro no fim da tarde e te flagrar
ouvindo a segunda edição de Papo de Craque.
Experimente,
ao ver um gol bonito, brincar que esse aí devia ser lance Lukscolor.
Experimente
mencionar, com alguma naturalidade, nomes como Dínamo de Kiev,
Borussia Dortmund ou Gamba Osaka.
Experimente
mencionar um jogo qualquer da Champions que aconteceu há uns três
anos.
Experimente
dizer que você ainda não se conforma que o Barcelona tenha comprado
o Douglas por 4 milhões de euros.
Enfim.
Experimente dizer o que qualquer Zé Mané pode dizer numa roda de
amigos, mas, se você for moça, só pode ser armação, decoreba ou
golpe de sorte. Ninguém vai se conformar que você saiba quem está
na final da Copa do Brasil, nas semifinais da Sul-Americana e nas
pontas da tabela do Brasileirão.
Ninguém
está pronto para te ouvir falar de técnicos que superem o circuito
Felipão-Dunga-Muricy-Mano Menezes. E nem precisa ousar muito. É só
mencionar Ney Franco, Oswaldo de Oliveira, Cuca, Vagner Mancini, Abel
Braga. Pronto, já é o caos, você é um alienígena.
E,
para o senso comum, você tem direito a saber um – APENAS UM, e
olhe lá – time por país estrangeiro. Basicamente: Barcelona,
Benfica, PSG, Milan, Manchester (escolha um dos dois), Bayern de
Munique e, como já mencionei, Boca Juniors.
Getafe?
Rio Ave? Monaco? Fiorentina? Newcastle? Schalke 04? Estudiantes?
Nananinanão. (E nem pense em ir além desse rol de países. Cerro
Porteño, Colo-Colo, Ajax, Olympiakos, Once Caldas, Pachuca. Neeeeeem
pensar.)
E
não esqueça que todos esperam que você só conheça jogadores de
futebol que foram da seleção brasileira ou que tenham namorado
alguma famosa. Basicamente, você deve evitar nomes como: Fernando
Prass, Léo Moura, Réver, Guiñazú, Nei Paraíba, Keirrison, Edson
Silva, Edu Dracena, Auro, Cléber Santana, Leandro Amaro, Negueba,
Barcos, Aranha, Lincoln, Durval, Ferrugem.
Mas
quando você já tiver comprovado saber o elenco do seu time de trás
para a frente, os campeões das últimas três Libertadores, o nome
do estádio do Guarani (esse é fofo e toda mulher teeeem que saber)
e o currículo básico do Guardiola, SEMPRE vai ter um infeliz para
dizer “Ah, mas então explica o que é um impedimento!”.
Cara.
Isso
é mais agressivo do que nos perguntar se sabemos se rímel é para
passar nos cílios ou na sola do pé.
Sugiro
a todas as mulheres que ouçam essa pergunta que demonstrem
fisicamente como acontece um impedimento para esse senhor, de
preferência na beira da varanda ou da plataforma do metrô, sendo
você um zagueiro e ele o jogador impedido. Pode ser?
E,
claaaaaaro, essas mesmas pessoas dirão “Essa mulher deve ter
pesquisado horrores para escrever esse texto”. Não vou negar: abri
o Google duas vezes. Uma para saber se Oswaldo de Oliveira era com W
ou com V, outra para saber se o Bayern de Munique era Bayer ou
Bayern.
Enfim.
A mulher que gosta – e entende – de futebol sofre. Provavelmente
a que entende de carros também. Assim como o homem que cozinha ou
entende de moda. Tá na hora de tudo isso mudar, né?
Ruth Manus, in Um dia ainda vamos rir de tudo isso
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