domingo, 7 de maio de 2023

Mãe é contradição

Mãe sofre, essa é a verdade. Secretária de diretoria de uma grande empresa, ela vivia suspirando:
De que adianta ser mãe, se não tenho tempo para ficar com meus filhos?
Penou para conseguir férias ao mesmo tempo que as crianças. Refugiou-se em um hotel-fazenda, O marido só comparecia nos fins de semana. Ela passou quinze dias em êxtase, vendo os três pimpolhos, de pendores artísticos, atléticos e científicos, torrarem a energia no gramado ou aprendendo a andar a cavalo. Só um momento de choque: quando Joãozinho começou a espirrar. Tinha alergia a ar puro.
Que mundo é esse em que vivemos? – chocou-se.
Voltou para a cidade mais gorda (o bufê self-service do hotel era irresistível). Beijou o marido longamente:
Finalmente, vamos ter vida de família!
Sentou-se no sofá, tirou os sapatos, aninhou-se. As três gracinhas não tinham, porém, nenhum talento para se comportar como aves num poleiro. Em minutos, ela descobriu, horrorizada. Que a energia gasta nos gramados seria agora exaurida no carpete. A menorzinha entrou na sala dançando. Estudava balé, a artista, O marido aplaudiu, enquanto a pequena graça apresentava pliés e jetés em frente da televisão. Ela percebeu que ia perder o melhor capítulo da novela, mas conformou-se. Qual a mãe que não se curva perante o talento da filha?
Que linda essa roupinha de cigana! Onde você arrumou?
Minhas gravatas de seda! — gritou o marido, executivo de alto nível.
Realmente: recortadas, as gravatas faziam um belo efeito. Mal tiveram tempo de se refazer da surpresa: o cientista apareceu com um litro cheio.
O perfume que eu inventei!
Uma delícia. Nem poderia deixar de ser, O aspirante a químico tinha misturado todas as fragrâncias francesas que ela, a duras penas, comprara no shopping. Nem teve tempo de gritar. Ouviu-se um barulho no banheiro, correram todos: a do meio tinha se cortado ao tentar fazer a barba. Sim, a barba! O pai quis explicar, durante o curativo:
Menina não tem barba!
Mas eu quero ter!
Ai, meu Deus! — gemeu a mãe.
Os pais foram se deitar exaustos, as maravilhas reclamando que era cedo. No dia seguinte o marido começou a chegar mais tarde. Dava um jeito de ficar trabalhando até as crianças estarem cansadas. Ela resistiu, apavorada.
E quando eu voltar a trabalhar?
Retomou esgotada. O chefe, um francês irritadiço, dava pito ao vê-la distraída, preocupada. Passava o dia em linha direta com a empregada.
O Joãozinho fez um doce de banana, pimenta. ketchup e chocolate, e diz que vai comer. E se ele morre?
A menorzinha só quer salsicha com Coca-Cola, nada de arroz e feijão!
A do meio está tomando banho faz duas horas e não quer sair!
Voltava para encontrar uma dançando no seu colchão, outra brincando no elevador do prédio. Quase se ajoelhou quando a empregada ameaçou ir embora porque o garoto quis criar uma aranha num aquário. O chefe reclamou que ela não saía do telefone. O marido, que o apartamento tinha virado uma bagunça. Lamentava-se.
Que férias demoradas!
Cada vez que ouvia a expressão “volta às aulas”, sorria de satisfação. Com alívio, acertou a velha rotina: acorda cedíssimo, faz o café, se maquia e se penteia. Leva a menorzinha de carro para a aula de balé, enquanto os outros vão no ônibus escolar. Foge no almoço para deixar os maiores no curso de inglês. Uma amiga com quem faz revezamento os recolhe. Volta à noitinha e prepara o jantar. Em casa, todos são unânimes, sua comida dá de dez na da empregada. Passa as camisas do marido, pois a doméstica “nunca acerta o colarinho”, e ele, afinal, é um executivo de futuro. Quando vê os olhinhos dos pimpolhos apertados de sono. Sente ondas de felicidade.
Finalmente, posso descansar!
Mentira. Não tem coragem de falar, mas pensa:
Eu, trabalhando o dia todo! As crianças na escola! Quando é que vamos ter uma vida em família?
Já sonha com o fim do ano:
Ah, que saudades das férias!
Ser mãe é uma eterna contradição.

Walcyr Carrasco, in O golpe do aniversariante e outras crônicas

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