Mãe
sofre, essa é a verdade. Secretária de diretoria de uma grande
empresa, ela vivia suspirando:
— De
que adianta ser mãe, se não tenho tempo para ficar com meus filhos?
Penou
para conseguir férias ao mesmo tempo que as crianças. Refugiou-se
em um hotel-fazenda, O marido só comparecia nos fins de semana. Ela
passou quinze dias em êxtase, vendo os três pimpolhos, de pendores
artísticos, atléticos e científicos, torrarem a energia no gramado
ou aprendendo a andar a cavalo. Só um momento de choque: quando
Joãozinho começou a espirrar. Tinha alergia a ar puro.
— Que
mundo é esse em que vivemos? – chocou-se.
Voltou
para a cidade mais gorda (o bufê self-service do hotel era
irresistível). Beijou o marido longamente:
— Finalmente,
vamos ter vida de família!
Sentou-se
no sofá, tirou os sapatos, aninhou-se. As três gracinhas não
tinham, porém, nenhum talento para se comportar como aves num
poleiro. Em minutos, ela descobriu, horrorizada. Que a energia gasta
nos gramados seria agora exaurida no carpete. A menorzinha entrou na
sala dançando. Estudava balé, a artista, O marido aplaudiu,
enquanto a pequena graça apresentava pliés e jetés em frente da
televisão. Ela percebeu que ia perder o melhor capítulo da novela,
mas conformou-se. Qual a mãe que não se curva perante o talento da
filha?
— Que
linda essa roupinha de cigana! Onde você arrumou?
— Minhas
gravatas de seda! — gritou o marido, executivo de alto nível.
Realmente:
recortadas, as gravatas faziam um belo efeito. Mal tiveram tempo de
se refazer da surpresa: o cientista apareceu com um litro cheio.
— O
perfume que eu inventei!
Uma
delícia. Nem poderia deixar de ser, O aspirante a químico tinha
misturado todas as fragrâncias francesas que ela, a duras penas,
comprara no shopping. Nem teve tempo de gritar. Ouviu-se um barulho
no banheiro, correram todos: a do meio tinha se cortado ao tentar
fazer a barba. Sim, a barba! O pai quis explicar, durante o curativo:
— Menina
não tem barba!
— Mas
eu quero ter!
— Ai,
meu Deus! — gemeu a mãe.
Os
pais foram se deitar exaustos, as maravilhas reclamando que era cedo.
No dia seguinte o marido começou a chegar mais tarde. Dava um jeito
de ficar trabalhando até as crianças estarem cansadas. Ela
resistiu, apavorada.
— E
quando eu voltar a trabalhar?
Retomou
esgotada. O chefe, um francês irritadiço, dava pito ao vê-la
distraída, preocupada. Passava o dia em linha direta com a
empregada.
— O
Joãozinho fez um doce de banana, pimenta. ketchup e chocolate, e diz
que vai comer. E se ele morre?
— A
menorzinha só quer salsicha com Coca-Cola, nada de arroz e feijão!
— A
do meio está tomando banho faz duas horas e não quer sair!
Voltava
para encontrar uma dançando no seu colchão, outra brincando no
elevador do prédio. Quase se ajoelhou quando a empregada ameaçou ir
embora porque o garoto quis criar uma aranha num aquário. O chefe
reclamou que ela não saía do telefone. O marido, que o apartamento
tinha virado uma bagunça. Lamentava-se.
— Que
férias demoradas!
Cada
vez que ouvia a expressão “volta às aulas”, sorria de
satisfação. Com alívio, acertou a velha rotina: acorda cedíssimo,
faz o café, se maquia e se penteia. Leva a menorzinha de carro para
a aula de balé, enquanto os outros vão no ônibus escolar. Foge no
almoço para deixar os maiores no curso de inglês. Uma amiga com
quem faz revezamento os recolhe. Volta à noitinha e prepara o
jantar. Em casa, todos são unânimes, sua comida dá de dez na da
empregada. Passa as camisas do marido, pois a doméstica “nunca
acerta o colarinho”, e ele, afinal, é um executivo de futuro.
Quando vê os olhinhos dos pimpolhos apertados de sono. Sente ondas
de felicidade.
— Finalmente,
posso descansar!
Mentira.
Não tem coragem de falar, mas pensa:
— Eu,
trabalhando o dia todo! As crianças na escola! Quando é que vamos
ter uma vida em família?
Já
sonha com o fim do ano:
— Ah,
que saudades das férias!
Ser
mãe é uma eterna contradição.
Walcyr Carrasco, in O golpe do aniversariante e outras crônicas
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