Enquanto
rodávamos, eu avistei: Imóveis Arco-Íris.
Encostei
na frente. O estacionamento não era asfaltado, e havia grandes
buracos e calombos por toda parte. Localizei a superfície mais plana
e estacionei. Saltamos e nos dirigimos ao escritório. Na porta
aberta, deitava-se um gordo e sujo frango branco. Afastei-o com o pé.
Ele se levantou, emitiu um pouco de matéria e entrou no escritório,
encontrou um lugar num canto e tornou a deitar-se.
Uma
dona sentava-se à mesa, quarentona, magra, cabelos escorridos cor de
barro, enfeitados com uma flor de papel vermelha. Tomava uma cerveja
e fumava um Pall Mall.
– Merda,
como vão? – cumprimentou-nos. – Procurando casa por aqui?
– Pode-se
dizer – respondi.
– Bem,
diga então! Ha, ha, ha.
Ela
matou sua cerveja e me entregou um cartão:
IMÓVEIS
ARCO-ÍRIS
Eu
tenho de fato o que você
precisa.
Lila
Gant,
a
seu dispor
Lila
levantou-se.
– Me
acompanhem.
Não
fechou o escritório. Entrou em seu carro. Era um Comet 62. Eu sabia
porque tinha tido um. Na verdade, parecia o mesmo que eu vendera como
sucata.
Nós
a seguimos por uma tortuosa estrada rural, de terra. Dirigimos por
alguns minutos. Notei a ausência de postes de luz. Também havia
profundos desfiladeiros de ambos os lados da estrada. Fiz uma
anotação mental de que dirigir por ali à noite, com alguns
drinques na cuca, podia ser arriscado.
Finalmente,
paramos na frente de uma casa de madeira sem pintura. Bem, fora
pintada um dia, há muito tempo atrás, mas o tempo raspara quase
toda a tinta, que já de início era um branco de titica de galinha.
A casa parecia pender para a frente e para a esquerda – para a
nossa esquerda, ao saltarmos do carro. Era uma casa grande, parecia
acolhedora, terra a terra.
Tudo
aquilo, eu pensava, porque eu aceitara um adiantamento para escrever
um argumento e porque tinha um consultor de impostos.
Subimos
para a varanda e as tábuas, é claro, cediam sob o nosso peso. Eu
pesava cento e quatorze quilos, a maior parte gordura, em vez de
músculo. Meus dias de batalha haviam passado. E pensar que outrora
pesara setenta e dois quilos, numa estrutura de um metro e noventa:
os grandiosos velhos tempos de fome, quando eu escrevia o material da
pesada.
Lila
bateu na porta da frente.
– Darlene,
querida? Está decente? É melhor estar, porque nossos caras estão
chegando. Tenho um pessoal aqui que quer ver seu castelo! Ha, ha, ha.
Lila
empurrou a porta e entramos.
Estava
escuro ali dentro, e cheirava como se houvesse um peru queimando no
forno. Tinha-se também a sensação de escuras criaturas aladas
voando em torno. Uma lâmpada pendia de um fio. A capa de isolamento
descascara e via-se o arame exposto. Senti algo como um vento frio na
nuca. Mas compreendi que era apenas um ataque de medo. Afastei essa
ideia pensando: esta casa tem de ser realmente barata.
Darlene
emergiu das sombras. Boca grande embatonzada. Cabelos para todos os
lados. Olhos esguichando bondade para disfarçar anos de estragos.
Era gorda, metida num blue jeans e numa blusa florida desbotada. Dois
brincos, parecendo globos oculares, pendiam balançando um pouco, as
íris azuis. Ela segurava um charo. Lançou-se para nós.
– Lila,
sua velhaca! Qualé?
Lila
pegou o charo de Darlene, tirou um tapa e devolveu-o.
– Como
vai o idiota do seu irmão perneta, Willy?
– Oh,
merda, acaba de entrar em cana. Está se cagando de medo que enrabem
ele.
– Não
se preocupe, querida, ele é feio demais.
– Acha
mesmo?
– Mesmo.
– Espero!
Fomos
todos apresentados. Fez-se silêncio. Ficamos ali parados, como se
houvéssemos perdido toda capacidade de pensar, de saber o que
queríamos. Eu até gostei. Pensei: bem, está tudo bem, posso ficar
aqui parado tanto tempo quanto qualquer outro. Concentrei-me no arame
retorcido do fio da lâmpada.
Entrou
um homem alto e magro. Encaminhou-se para nós, movendo uma perna
dura após a outra. Punha uma perna para a frente e depois seguia-a
decididamente com a outra. Parecia um cego sem bengala. Aproximava-se
de nós. O rosto era uma maçaroca de barba, e os cabelos retorcidos
e embaraçados. Mas tinha belos olhos, de um verde muito escuro.
Olhos de esmeralda. O babaca valia alguma coisa. E tinha um grande
sorriso. Chegou mais perto. Parou e continuou sorrindo, sorrindo.
– Este
é meu marido – disse Darlene –, Double Quartet.
Ele
balançou a cabeça. Nós correspondemos.
Lila
curvou-se para mim e sussurrou:
– Os
dois deviam estar no cinema.
Sarah
já se cansava do tempo que tudo aquilo lhe tomava.
– Bem,
vamos dar uma olhada na casa!
– Ora,
claro, querida, mexam esse rabo daí e venham atrás de mim...
Seguimos
Lila até o outro aposento, e ao fazermos isso olhei para trás. Vi
Double Quartet pegar o charo de Darlene e tirar um tapa.
Nossa,
tinha uns olhos sensacionais; os olhos são realmente o reflexo da
alma. Mas, porra, aquele enorme sorriso estragava tudo.
Estávamos
evidentemente na sala de jantar ou da frente. Não havia móveis.
Numa das paredes, haviam pregado um colchão d’água, no qual
estava escrito com tinta vermelha:
A
ARANHA CANTA SÓ
– Vejam
isso – dizia Lila –, vejam esse quintal. Bela terra!
Olhamos
pela janela. O quintal era como a estrada, só que mais; grandes
buracos, montes de terra e pedras. E ali fora, sozinha, de pé,
via-se uma solitária privada jogada fora. Sem tampa.
– Legal
– eu disse –, meio esquisito.
– Esse
pessoal aqui é ARTISTA – disse nossa corretora.
Recuamos
da janela. Toquei a cortina que a cobria. Onde eu a tocava, caía um
pedaço.
– Esse
pessoal aí é muito profundo – dizia Lila. – Não liga pras
coisas comuns, vocês sabem.
Subimos
para o andar de cima e a escada era sólida, estranhamente sólida.
Era boa e firme, e me senti um pouco melhor então, subindo ali.
No
quarto de dormir havia apenas uma cama d’água, mas cheia. Eu me
sentei no canto oposto dela, sozinho comigo mesmo. Coisa estranha:
havia um grande calombo de um lado. Dava a impressão de uma explosão
iminente.
O
banheiro tinha ladrilhos, mas o piso ficara tanto tempo sem ser
lavado que eles quase haviam desaparecido sob a crosta de sujeira e
pegadas.
A
privada tinha uma crosta marrom, eterna. Não havia como mudar
aquilo. Crosta sobre crosta sobre crosta sobre crosta. Era pior do
que qualquer privada que eu já vira em qualquer espelunca, em
qualquer bar onde já estivera, e comecei a sufocar à lembrança de
todos aqueles cagadores e à ideia daquele ali. Saí por um momento,
me refiz, inspirei, me decidi a não pensar mais em nada daquilo e
tornei a entrar no banheiro.
– Desculpe
– disse.
Lila
entendeu.
– Merda,
desculpa – disse. – Está tudo bem...
Não
olhei o interior da banheira, mas notei que alguém rabiscara com
tintas de várias cores na parede acima dela:
SE
TIM LEARY NÃO É DEUS,
ENTÃO
DEUS ESTÁ MORTO.
MEU
PAI MORREU NA BRIGADA
ABRAHAM
LINCOLN E O DIABO
TEM
XOXOTA
CHARLES
LINDBERG
CHUPAVA
PAU
Havia
algumas outras mensagens pintadas aqui e ali, mas estavam borradas e
truncadas e difíceis de ler.
– Vou
deixar vocês andarem por aí, vocês sabem, pra sentir. Comprar uma
casa é uma coisa que mexe com a cuca. Não quero apressar vocês.
Lila
saiu. Ouvimo-la descer a escada. Sarah e eu saímos para o corredor.
Pendurado próximo a nós, de uma corda desfiada, via-se um velho
bule enferrujado.
– Oh,
meu deus – disse Sarah de repente –, meu deus!
– Que
foi?
– Já
vi fotos desta casa antes! Me lembro agora! Eu achava que
parecia conhecida!
– Quê?
Que é?
– Esta
é uma das casas onde Charles Manson matou alguém!
– Tem
certeza?
– Sim,
sim!
Descemos
a escada. Eles esperavam a gente lá embaixo: Lila, Darlene e Double
Quartet.
– Bem
– perguntou Lila –, que acham?
– Tenho
seu cartão e seu telefone – eu disse. – A gente entra em
contato.
– Se
vocês são artistas – disse Darlene – a gente faz um abatimento
no preço. Nós gostamos de artistas. Vocês são artistas?
– Não
– eu disse. – Bem, pelo menos eu, não.
– Posso
mostrar outras casas a vocês – disse Lila.
– Não,
não – disse Sarah –, já vimos bastante por hoje. Precisamos
descansar.
Tivemos
de sair empurrando-os, e o tempo todo Double Quartet sorria, sorria…
Charles Bukowski, in Hollywood
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