quarta-feira, 10 de maio de 2023

Hollywood | 11


Enquanto rodávamos, eu avistei: Imóveis Arco-Íris.
Encostei na frente. O estacionamento não era asfaltado, e havia grandes buracos e calombos por toda parte. Localizei a superfície mais plana e estacionei. Saltamos e nos dirigimos ao escritório. Na porta aberta, deitava-se um gordo e sujo frango branco. Afastei-o com o pé. Ele se levantou, emitiu um pouco de matéria e entrou no escritório, encontrou um lugar num canto e tornou a deitar-se.
Uma dona sentava-se à mesa, quarentona, magra, cabelos escorridos cor de barro, enfeitados com uma flor de papel vermelha. Tomava uma cerveja e fumava um Pall Mall.
Merda, como vão? – cumprimentou-nos. – Procurando casa por aqui?
Pode-se dizer – respondi.
Bem, diga então! Ha, ha, ha.
Ela matou sua cerveja e me entregou um cartão:

IMÓVEIS ARCO-ÍRIS
Eu tenho de fato o que você
precisa.

Lila Gant,
a seu dispor

Lila levantou-se.
Me acompanhem.
Não fechou o escritório. Entrou em seu carro. Era um Comet 62. Eu sabia porque tinha tido um. Na verdade, parecia o mesmo que eu vendera como sucata.
Nós a seguimos por uma tortuosa estrada rural, de terra. Dirigimos por alguns minutos. Notei a ausência de postes de luz. Também havia profundos desfiladeiros de ambos os lados da estrada. Fiz uma anotação mental de que dirigir por ali à noite, com alguns drinques na cuca, podia ser arriscado.
Finalmente, paramos na frente de uma casa de madeira sem pintura. Bem, fora pintada um dia, há muito tempo atrás, mas o tempo raspara quase toda a tinta, que já de início era um branco de titica de galinha. A casa parecia pender para a frente e para a esquerda – para a nossa esquerda, ao saltarmos do carro. Era uma casa grande, parecia acolhedora, terra a terra.
Tudo aquilo, eu pensava, porque eu aceitara um adiantamento para escrever um argumento e porque tinha um consultor de impostos.
Subimos para a varanda e as tábuas, é claro, cediam sob o nosso peso. Eu pesava cento e quatorze quilos, a maior parte gordura, em vez de músculo. Meus dias de batalha haviam passado. E pensar que outrora pesara setenta e dois quilos, numa estrutura de um metro e noventa: os grandiosos velhos tempos de fome, quando eu escrevia o material da pesada.
Lila bateu na porta da frente.
Darlene, querida? Está decente? É melhor estar, porque nossos caras estão chegando. Tenho um pessoal aqui que quer ver seu castelo! Ha, ha, ha.
Lila empurrou a porta e entramos.
Estava escuro ali dentro, e cheirava como se houvesse um peru queimando no forno. Tinha-se também a sensação de escuras criaturas aladas voando em torno. Uma lâmpada pendia de um fio. A capa de isolamento descascara e via-se o arame exposto. Senti algo como um vento frio na nuca. Mas compreendi que era apenas um ataque de medo. Afastei essa ideia pensando: esta casa tem de ser realmente barata.
Darlene emergiu das sombras. Boca grande embatonzada. Cabelos para todos os lados. Olhos esguichando bondade para disfarçar anos de estragos. Era gorda, metida num blue jeans e numa blusa florida desbotada. Dois brincos, parecendo globos oculares, pendiam balançando um pouco, as íris azuis. Ela segurava um charo. Lançou-se para nós.
Lila, sua velhaca! Qualé?
Lila pegou o charo de Darlene, tirou um tapa e devolveu-o.
Como vai o idiota do seu irmão perneta, Willy?
Oh, merda, acaba de entrar em cana. Está se cagando de medo que enrabem ele.
Não se preocupe, querida, ele é feio demais.
Acha mesmo?
Mesmo.
Espero!
Fomos todos apresentados. Fez-se silêncio. Ficamos ali parados, como se houvéssemos perdido toda capacidade de pensar, de saber o que queríamos. Eu até gostei. Pensei: bem, está tudo bem, posso ficar aqui parado tanto tempo quanto qualquer outro. Concentrei-me no arame retorcido do fio da lâmpada.
Entrou um homem alto e magro. Encaminhou-se para nós, movendo uma perna dura após a outra. Punha uma perna para a frente e depois seguia-a decididamente com a outra. Parecia um cego sem bengala. Aproximava-se de nós. O rosto era uma maçaroca de barba, e os cabelos retorcidos e embaraçados. Mas tinha belos olhos, de um verde muito escuro. Olhos de esmeralda. O babaca valia alguma coisa. E tinha um grande sorriso. Chegou mais perto. Parou e continuou sorrindo, sorrindo.
Este é meu marido – disse Darlene –, Double Quartet.
Ele balançou a cabeça. Nós correspondemos.
Lila curvou-se para mim e sussurrou:
Os dois deviam estar no cinema.
Sarah já se cansava do tempo que tudo aquilo lhe tomava.
Bem, vamos dar uma olhada na casa!
Ora, claro, querida, mexam esse rabo daí e venham atrás de mim...
Seguimos Lila até o outro aposento, e ao fazermos isso olhei para trás. Vi Double Quartet pegar o charo de Darlene e tirar um tapa.
Nossa, tinha uns olhos sensacionais; os olhos são realmente o reflexo da alma. Mas, porra, aquele enorme sorriso estragava tudo.
Estávamos evidentemente na sala de jantar ou da frente. Não havia móveis. Numa das paredes, haviam pregado um colchão d’água, no qual estava escrito com tinta vermelha:

A ARANHA CANTA SÓ

Vejam isso – dizia Lila –, vejam esse quintal. Bela terra!
Olhamos pela janela. O quintal era como a estrada, só que mais; grandes buracos, montes de terra e pedras. E ali fora, sozinha, de pé, via-se uma solitária privada jogada fora. Sem tampa.
Legal – eu disse –, meio esquisito.
Esse pessoal aqui é ARTISTA – disse nossa corretora.
Recuamos da janela. Toquei a cortina que a cobria. Onde eu a tocava, caía um pedaço.
Esse pessoal aí é muito profundo – dizia Lila. – Não liga pras coisas comuns, vocês sabem.
Subimos para o andar de cima e a escada era sólida, estranhamente sólida. Era boa e firme, e me senti um pouco melhor então, subindo ali.
No quarto de dormir havia apenas uma cama d’água, mas cheia. Eu me sentei no canto oposto dela, sozinho comigo mesmo. Coisa estranha: havia um grande calombo de um lado. Dava a impressão de uma explosão iminente.
O banheiro tinha ladrilhos, mas o piso ficara tanto tempo sem ser lavado que eles quase haviam desaparecido sob a crosta de sujeira e pegadas.
A privada tinha uma crosta marrom, eterna. Não havia como mudar aquilo. Crosta sobre crosta sobre crosta sobre crosta. Era pior do que qualquer privada que eu já vira em qualquer espelunca, em qualquer bar onde já estivera, e comecei a sufocar à lembrança de todos aqueles cagadores e à ideia daquele ali. Saí por um momento, me refiz, inspirei, me decidi a não pensar mais em nada daquilo e tornei a entrar no banheiro.
Desculpe – disse.
Lila entendeu.
Merda, desculpa – disse. – Está tudo bem...
Não olhei o interior da banheira, mas notei que alguém rabiscara com tintas de várias cores na parede acima dela:

SE TIM LEARY NÃO É DEUS,
ENTÃO DEUS ESTÁ MORTO.

MEU PAI MORREU NA BRIGADA
ABRAHAM LINCOLN E O DIABO
TEM XOXOTA

CHARLES LINDBERG
CHUPAVA PAU

Havia algumas outras mensagens pintadas aqui e ali, mas estavam borradas e truncadas e difíceis de ler.
Vou deixar vocês andarem por aí, vocês sabem, pra sentir. Comprar uma casa é uma coisa que mexe com a cuca. Não quero apressar vocês.
Lila saiu. Ouvimo-la descer a escada. Sarah e eu saímos para o corredor. Pendurado próximo a nós, de uma corda desfiada, via-se um velho bule enferrujado.
Oh, meu deus – disse Sarah de repente –, meu deus!
Que foi?
Já vi fotos desta casa antes! Me lembro agora! Eu achava que parecia conhecida!
Quê? Que é?
Esta é uma das casas onde Charles Manson matou alguém!
Tem certeza?
Sim, sim!
Descemos a escada. Eles esperavam a gente lá embaixo: Lila, Darlene e Double Quartet.
Bem – perguntou Lila –, que acham?
Tenho seu cartão e seu telefone – eu disse. – A gente entra em contato.
Se vocês são artistas – disse Darlene – a gente faz um abatimento no preço. Nós gostamos de artistas. Vocês são artistas?
Não – eu disse. – Bem, pelo menos eu, não.
Posso mostrar outras casas a vocês – disse Lila.
Não, não – disse Sarah –, já vimos bastante por hoje. Precisamos descansar.
Tivemos de sair empurrando-os, e o tempo todo Double Quartet sorria, sorria…

Charles Bukowski, in Hollywood

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