Hemingway
e Camus foram bons jornalistas, sem prejuízo de sua literatura.
Guardadíssimas as devidas e significativas proporções, era isto o
que eu ambicionaria para mim também, se tivesse fôlego.
Mas
tenho medo: escrever muito e sempre pode corromper a palavra. Seria
para ela mais protetor vender ou fabricar sapatos: a palavra ficaria
intata. Pena que não sei fazer sapatos.
Outro
problema: num jornal nunca se pode esquecer o leitor, ao passo que no
livro fala-se com maior liberdade, sem compromisso imediato com
ninguém. Ou mesmo sem compromisso nenhum.
Um
jornalista de Belo Horizonte disse-me que fizera uma constatação
curiosa: certas pessoas achavam meus livros difíceis e no entanto
achavam perfeitamente fácil entender-me no jornal, mesmo quando
publico textos mais complicados. Há um texto meu sobre o estado de
graça que, pelo próprio assunto, não seria tão comunicável e no
entanto soube, para meu espanto, que foi parar até dentro de missal.
Que coisa!
Respondi
ao jornalista que a compreensão do leitor depende muito de sua
atitude na abordagem do texto, de sua predisposição, de sua isenção
de ideias preconcebidas. E o leitor de jornal, habituado a ler sem
dificuldade o jornal, está predisposto a entender tudo. E isto
simplesmente porque “jornal é para ser entendido”. Não há
dúvida, porém, de que eu valorizo muito mais o que escrevo em
livros do que o que escrevo para jornais – isso sem, no entanto,
deixar de escrever com gosto para o leitor de jornal e sem deixar de
amá-lo.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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