Uns
setenta anos depois, Phearson estava à mesa, de frente para mim,
naquela mansão em Nortúmbria, irritado ao me ouvir dizer:
— A
complexidade deve ser seu pretexto para não agir. A complexidade dos
eventos, a complexidade do tempo... De que adianta você saber isso?
Chovia
lá fora, um aguaceiro forte e incessante que chegara dois dias
depois de um calor sufocante, o céu abrindo a torneira. Phearson
viajara para Londres; voltara com mais perguntas e uma atitude menos
dócil.
— Você
está escondendo coisas! — atacou. — Diz que tudo isso vai
acontecer, mas não diz como. Fala de computadores, telefones e do
maldito fim da Guerra Fria, mas não diz merda nenhuma de como nada
disso funciona. Nós somos os mocinhos, estamos aqui para melhorar as
coisas, entendeu? Criar um mundo melhor!
Quando
Phearson se enfurecia, uma veia azul como uma cobra contorcida surgia
em sua têmpora esquerda, e seu rosto, em vez de vermelho, ficava
pálido e acinzentado. Ponderei suas acusações e concluí que boa
parte não tinha fundamento. Eu não era historiador; os eventos do
futuro haviam se desdobrado como ações no presente, dando pouco
tempo para análises ou análises retrospectivas, apresentando-se em
matérias de sessenta segundos no noticiário da TV. A capacidade que
eu tinha de explicar o funcionamento de um computador era a mesma que
tinha de equilibrar um peixe na ponta do nariz.
E,
sim, eu estava escondendo coisas — não todas, mas algumas. Eu
havia lido sobre o Clube Cronus, e a primeira lição que tirei foi
que era um lugar em que se fazia silêncio. Se seus membros fossem
como eu, se sabiam o futuro, ao menos no que dizia respeito às suas
trajetórias pessoais, então eles tinham o poder de afetá-la
diretamente. Ainda assim, escolhiam não fazê-lo. E por quê?
— Complexidade
— repeti com veemência. — Você e eu somos meros indivíduos.
Não podemos controlar os grandes eventos socioeconômicos. Você até
pode tentar alterar um evento, mas isso, mesmo que da forma mais
insignificante possível, invalidaria todo e qualquer outro evento
que eu já tenha descrito. Eu posso lhe contar que os sindicatos vão
sofrer durante a Era Thatcher, mas a verdade é que não sou capaz de
apontar exatamente quais as forças econômicas por trás disso, nem
explicar em poucas palavras por que a sociedade permite a destruição
de suas indústrias. Não sou capaz de dizer o que passa pela cabeça
das pessoas que dançam durante a queda do Muro de Berlim, ou
exatamente quem no Afeganistão vai se levantar um dia e dizer: “Hoje
é um bom dia para a jihad.” E do que valem as minhas informações,
se agir para mudar um único pedaço vai mudar o todo?
— Nomes,
lugares! Diga nomes, diga lugares!
— Por
quê? Você vai assassinar Yasser Arafat? Vai executar crianças por
crimes que ainda não cometeram? Vai dar armas ao Talibã antes do
tempo?
— Isso
é uma decisão política, todas essas decisões são políticas...
— Você
está tomando decisões com base em crimes que ainda não foram
cometidos!
Ele
jogou os braços num grande gesto de frustração.
— A
humanidade está evoluindo, Harry! O mundo está mudando! Nos últimos
duzentos anos a humanidade mudou de formas mais radicais do que nos
dois mil anos anteriores! O ritmo da evolução está acelerando,
tanto para a espécie quanto para a civilização. É o nosso
trabalho, o trabalho dos bons, dos homens e das mulheres de bem,
supervisionar o processo, agir como um guia para evitar mais cagadas
e desastres! Você quer outra Segunda Guerra Mundial? Outro
Holocausto? Nós podemos mudar as coisas, melhorar as coisas.
— Você
se considera capaz de supervisionar o desenvolvimento do futuro?
— Claro
que sim, porra! — rugiu ele. — Porque sou um puta defensor da
democracia! Porque sou um puta liberal que acredita na liberdade,
porque eu sou um cara bom pra cacete e de bom coração e, porra,
porque alguém precisa fazer esse trabalho!
Eu
me recostei na cadeira. A chuva caía na diagonal, batia no vidro da
janela. Havia flores recém-colhidas na mesa, café frio no meu copo.
— Lamento,
senhor Phearson — disse, por fim. — Não sei o que quer ouvir de
mim.
Ele
girou uma cadeira, sentou-se nela, aproximou-a de mim e, baixando o
tom de voz de um jeito que parecia querer conspirar, esticando as
mãos num gesto que parecia um pedido de desculpas, perguntou:
— Por
que não ganhamos no Vietnã? O que estamos fazendo de errado?
Eu
grunhi e levei as mãos à cabeça.
— Vocês
não são bem-vindos! Os vietnamitas não querem vocês, os chineses
não querem vocês, seu próprio povo não quer lutar no Vietnã! Não
dá para ganhar uma guerra que ninguém quer lutar!
— E
se jogássemos a bomba? Uma bomba, em Hanói, uma limpeza geral?
— Não
sei, porque isso nunca aconteceu, e nunca aconteceu porque é
absurdo! — gritei. — Você não quer conhecimento, quer
afirmações, e eu... — Eu me levantei de súbito, e fui o primeiro
a me surpreender com o movimento repentino. —... eu não posso lhe
dar isso — concluí. — Lamento. Quando concordei em fazer isso,
pensei que... que você queria outra coisa. Acho que errei. Eu
preciso... preciso pensar.
Ficamos
em silêncio.
Em
chinês, a asma é descrita como um animal ofegante, com a respiração
pesada resultado de uma enfermidade. Phearson permaneceu imóvel como
uma estátua, apertando as mãos para se conter de forma civilizada,
seu terno bem passado, seu rosto impassível, mas sua respiração
era toda de um animal que ofegava dentro de seu peito.
— Para
que você serve? — perguntou ele, do jeito típico de uma pessoa
criada em meio aos valores da boa educação, do autocontrole
cuidadoso, mas a respiração que acompanhou a pergunta queria rasgar
meu pescoço com os dentes e beber o sangue. — Você acha que isso
não importa, doutor August? Você acha que morre e fica por isso
mesmo? O mundo reinicia, bum! — Ele deu um tapa na mesa, forte o
bastante para fazer as xícaras pularem dos pires. — Nós, os
homens insignificantes com suas vidas insignificantes estão mortos e
esquecidos, e tudo isso... — ele não precisava se mexer, não
precisava fazer mais do que correr os olhos ao redor do quarto —
...tudo não passa de um sonho. Você é Deus, doutor August? Você é
o único ser vivo que importa? Acha que, só porque é capaz de se
lembrar, a sua dor é mais intensa e importante? Acha que, porque
viveu essa dor, sua vida é a única vida que conta? Acha?
Ele
não gritou, não levantou a voz, mas a respiração animal se
acelerou, enquanto ele contraía os dedos para conter o próprio
instinto destrutivo. Eu vi que não tinha nada. Não tinha palavras,
ideias, justificativas, réplicas. Ele se levantou de repente, de um
jeito brusco, como uma espécie de ruptura, embora eu não soubesse
dizer de quê, enquanto a veia de sua têmpora se fazia cada vez mais
visível sob a pele.
— Está
bem. — Ele ofegava as palavras. — Está bem, doutor August. Está
bem. Nós dois estamos um pouco cansados, um pouco frustrados...
Talvez precisemos de um descanso. Por que não tiramos o resto do
dia, e você pensa sobre isso? Tudo bem? Tudo bem — decidiu ele
antes de eu responder. — É esse o plano. Ótimo. Vejo você
amanhã.
Ao
dizer isso, Phearson saiu a passos largos do quarto sem dizer mais
uma palavra ou olhar para trás.
Claire North, in As primeiras quinze vidas de Harry August
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