Apesar
de Isaku conhecer o procedimento básico, ele nunca tinha conseguido
pescar esses peixes. Tinha chegado a sentir o peixe entre seus dedos,
mas daí ele escapulia. Além disso, os saury pareciam evitar
seu barco ao contrário dos outros.
A
esteira de palha que seria rebocada na popa do barco estava no chão,
pronta, e Takichi estava fazendo agora os buracos na esteira que
seria pendurada do lado do barco.
— Quando
estive na sua casa, eu disse que você poderia levar seu barco para
perto do meu para observar, mas, pensando bem, não posso deixar você
fazer isso. Iria assustar os peixes. Mas pergunte o que quiser que eu
lhe digo — disse Takichi sem parar de trabalhar na esteira.
Isaku
imaginava que isso fosse acontecer. Assim que a temporada de saury
começava, os homens ficavam ultra-sensíveis e gritavam com qualquer
outro pescador que aproximasse demais seu barco dos deles. Uma
segunda visão muito afiada era necessária para pescar saury,
e a menor distração poderia arruinar a pesca de um dia, assim não
era de estranhar que Takichi se recusasse a deixar Isaku se aproximar
com o barco.
— Diga-me
como agarrar os peixes. Eles sempre escapam de mim — disse Isaku,
olhando para o rosto de Takichi.
Takichi
parou o que estava fazendo e ergueu uma das mãos, movendo os dedos
lentamente no ar antes de fechá-los subitamente.
— Você
pega o peixe quando sentir que a cabeça dele está entre seus dedos.
Eles fogem se você pegar mais para trás.
— A
cabeça — disse Isaku, movendo os próprios dedos no ar.
— Se
você deixar um deles passar pelos seus dedos, eles não vão voltar.
E, quando pegar um, não crave as unhas nele. Eles vão fugir se
sentirem o cheiro do sangue de um deles na água.
Isaku
assentiu enquanto Takichi retomava o trabalho.
— Mais
uma coisa. Por que é que os peixes não chegam perto do meu barco?
Takichi
ergueu o rosto ao responder.
— Eles
conseguem ver sua sombra na água. Fique bem deitado dentro do barco
e passe só o braço pela beirada. Os saury ficam assustados
quando percebem a presença de alguém.
Isaku
sabia de tudo isso, mas até então não dera muita importância a
esses detalhes.
Takichi
baixou os olhos para a esteira de palha em seu colo. Isaku olhou para
ele, impressionado que seu primo fosse um pescador experiente aos
dezessete anos. Era claro que a obrigação de cuidar da mãe e,
agora, sendo um homem casado haviam incutido nele um forte senso de
responsabilidade. Isaku não podia evitar ver o primo sob um novo
prisma.
Ansioso
para chegar em casa e arrumar seu equipamento de pesca, Isaku
agradeceu a Takichi e a Kura e partiu. Começou a trabalhar naquela
noite e recomeçou na manhã seguinte. Era quase meio-dia quando
terminou.
Isaku
e a mãe carregaram o equipamento até a praia, sob a chuva fina, e o
colocaram na canoa. Diziam que a melhor hora para pescar era durante
o pôr-do-sol, por isso não havia nenhum barco na água ainda.
Ele
foi até a praia novamente depois do almoço e encontrou os homens
preparando seus barcos para sair. Os saury vinham do oeste; os
homens iriam pescar ao redor da ponta da proeminência de terra à
esquerda, a cerca de quatro quilômetros da praia. Os barcos deixavam
a areia um atrás do outro, assim Isaku também colocou a faixa no
cabelo e empurrou seu barco para a água. Agarrando o remo, ele saiu
contornando o recife. O mar estava tão calmo que as ondas mal
colidiam contra o cabo. As fileiras de casas da aldeia desapareceram
à distância quando os contornos das montanhas se desdobraram atrás
deles. A chuva tinha cessado, mas um denso nevoeiro cobria as
encostas, escondendo a vegetação.
Isaku
remou com toda sua força, mas pouco a pouco todos os barcos o
ultrapassaram. Sahei era o único que ele via para trás.
O
barco começou a balançar mais quando chegou perto do cabo e ao mar
aberto além dele. Os homens adiante já haviam começado a pescar
quando Isaku guardou o remo, lançou a âncora e soltou a esteira de
palha na popa do barco. As esteiras ondulavam para cima e para baixo
com o movimento do mar enquanto se afastavam, esticando a corda.
Isaku lançou o último pedaço sobre a lateral do barco e,
lembrando-se do conselho de Takichi, encolheu o corpo, erguendo
apenas a cabeça para espiar as esteiras flutuando atrás. Segundo
Takichi, ele deveria puxar lentamente a corda para trazer as esteiras
para perto do barco quando sentisse que um cardume de saury
estava sob elas, mas não conseguia ver nenhum sinal dos peixes.
Outros homens já estavam puxando as esteiras pela corda, deitados no
fundo do barco.
Isaku
ficou observando atentamente, mas não viu nenhum movimento
diferente. Ainda assim, pensou ele, devia haver um cardume de saury
por ali. Ele pegou a corda e começou a puxar. A esteira veio
lentamente na direção do barco. Estava pesada.
Quando
a esteira chegou ao barco, ele amarrou a corda na popa. Aproximou-se
da esteira amarrada à lateral do barco, enfiou a mão através de um
dos orifícios, separou os dedos e lentamente os colocou dentro da
água. Concentrou-se na área sob a esteira. Podia ver o brilho
prateado dos peixes passando. Eles estavam mesmo ali, pensou ele.
Os
brilhos prateados foram se tornando mais numerosos e começaram a se
agitar sob a superfície. Alguns até pareciam parar por um instante.
Os saury passavam roçando seus dedos e então desapareciam.
Isaku lembrou-se do conselho de Takichi para que não pegasse o
primeiro peixe, pois se o fizesse o cardume inteiro iria fugir. Os
saury passavam por entre seus dedos, ele podia enxergá-los
claramente. Por diversas vezes sentiu o impulso de agarrá-los, porém
seus dedos pareciam manter o controle por conta própria e não se
moveram.
Quando
afinal avistou a cabeça de um saury passando entre seus
dedos, ele a agarrou abruptamente, mas o peixe se debateu e
escorregou, fugindo. O cardume de saury desapareceu em um
segundo.
Isaku
tirou a mão da água e esfregou o rosto com força. Mais uma vez
estava sendo lembrado que pescar saury não era uma tarefa
fácil e que pegá-los com a mão não era algo que se aprendia de um
dia para o outro. Tentou se consolar dizendo a si mesmo que não
tinha se saído tão mal, afinal, já que no ano anterior não
conseguira nem fazer os peixes se reunir sob o tapete, quanto mais
estar com eles em volta dos dedos.
Ao
redor, ele podia ver os homens pegando os peixes e jogando-os dentro
dos barcos. A chuva fina recomeçou. Isaku soltou a esteira e a corda
novamente, esperou o que julgou ser o tempo adequado, então puxou-a
outra vez, mas não havia nenhum sinal de saury sob o tapete.
Pouco
depois o mar adquiriu uma cor escura, e os homens começaram a levar
os barcos de volta para a praia. Isaku puxou as esteiras, pegou o
remo e os acompanhou. Seguindo o barco à frente, ele desviou do
recife e seguiu na direção da fogueira acesa na praia. A noite
estava caindo e as pessoas na praia pareciam vermelhas à luz do
fogo.
Isaku
levou o barco até a praia, então puxou-o para cima com a ajuda da
mãe. Ela não disse nada depois de passar os olhos pelo fundo do
barco.
Naquela
noite, ele foi novamente visitar Takichi. O cheiro do saury
frito e da fumaça do fogo ainda impregnavam o ar na casa do primo.
— Nem
mesmo um — suspirou Isaku ao sentar-se na beirada da cama, mas
Takichi apenas sorriu levemente de perto do fogão. — Como você
sabe quando os peixes vieram para debaixo do barco?
— Instinto,
experiência... a água muda um pouquinho de cor. E parece se mexer,
também — respondeu Takichi.
Isaku
não disse nada. O primo se levantou, dizendo:
— Coma
isso. — Ele ofereceu um pouco do saury grelhado no espeto.
Isaku
balançou a cabeça com veemência, levantou-se e deixou a casa sem
dizer mais uma palavra.
Com
exceção dos dias em que o mar estava bravo, Isaku saía com seu
barco junto com os outros homens. A temporada de saury estava
chegando ao auge, e a pesca ficava melhor a cada dia. Parecia que
Sahei estava sendo ensinado pelo pai e quase invariavelmente ele
trazia dez peixes por dia. Os outros homens voltavam com o fundo do
barco coberto de saury.
Isaku
sentia vergonha de voltar para a praia sem ter pescado absolutamente
nada. Sua mãe não fazia nenhum comentário e preparava uma sopa
rala de legumes e arroz para o irmão e irmã mais novos. O fato de
não conseguir pegar nenhum peixe para eles atormentava Isaku.
Cerca
de duas semanas depois de ter começado a tentar Pescar saury,
Isaku notou um leve borrifo de água perto da esteira de palha. Além
disso, teve a impressão de notar uma ligeira diferença na cor da
água naquele ponto. Talvez fosse apenas impressão realmente, pensou
ele. O mar estava calmo, quase sem ondas, e não parecia que iria
mudar.
Isaku
pegou a corda e puxou-a gentilmente. A esteira foi se aproximando
cada vez mais, por fim se alinhando à outra, amarrada na lateral do
barco. Prendendo a corda, ele arriscou uma espiadela sob o tapete.
Conseguiu
ver uma massa de peixinhos prateados se retorcendo. Isaku ficou
agitado. Seus olhos não o estavam enganando, afinal de contas. Ele
tinha conseguido detectar a presença dos peixes a uma distância de
quarenta metros. Sem dúvida, era normal para os pescadores
experientes, mas para Isaku aquilo era uma realização e tanto.
Estendendo
a mão, ele a mergulhou lentamente na água entre as esteiras e
começou a mover os dedos separados. A água sob a esteira estava
infestada de saury. Os peixes estavam em excelentes condições,
belos, tanto em forma e tamanho quanto na cor. Um deles começou a
deslizar entre seus dedos e parou bem debaixo de sua mão. Erguendo a
mão para fora da água, ele olhou para o saury que se
debatia, brilhando ao sol da tarde. Lágrimas vieram aos seus olhos.
Estava emocionado com a ideia de que conseguiria peixes para
alimentar seu irmãozinho e irmãzinha que tomavam apenas caldo de
arroz junto do fogo.
Isaku
colocou o peixe no fundo do barco e tornou a enfiar a mão pelo
buraco na esteira, para dentro da água.
Naquela
noite, a mãe de Isaku cortou o saury em quatro porções
iguais, enfiou-as no espeto e levou-o ao fogo. Um fiozinho de fumaça
subiu, e as chamas brilhavam mais forte cada vez que um pouco de óleo
escorria dos pedaços espetados de peixe. O irmão e a irmã ficaram
olhando para o peixe, os olhos brilhando.
A
mãe deu a ele a parte do peixe com a cabeça, e deu as outras três
ao irmão e irmã. Isaku percebeu que, oferecendo a ele a cabeça do
peixe, a mãe estava reconhecendo sua posição como provedor da
família.
O
saury quente estava delicioso. A visão do irmão e da irmã
comendo sofregamente a carne do peixe e depois retirando o que
sobrara de carne entre as espinhas fez com que ele percebesse que a
quantidade que pescara ainda não fora suficiente.
Aquela
temporada acabou sendo excepcional. À medida que os dias passavam,
mais e mais saury pareciam se contorcer sob o tapete. No pouco
tempo que ficavam na água, os pescadores pegavam um saury
depois do outro, e a maioria dos barcos voltava para a praia com mais
de uma centena de peixes.
Dali
em diante, Isaku também aprendeu a técnica e não muito tempo
depois estava pegando vários saury por dia. Havia dias em que
pegava dez. A mãe permitia que comessem apenas um peixe por dia e
preservava os outros no sal.
Akira Yoshimura, in Naufrágios
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