quarta-feira, 3 de maio de 2023

A temporada dos saury


Apesar de Isaku conhecer o procedimento básico, ele nunca tinha conseguido pescar esses peixes. Tinha chegado a sentir o peixe entre seus dedos, mas daí ele escapulia. Além disso, os saury pareciam evitar seu barco ao contrário dos outros.
A esteira de palha que seria rebocada na popa do barco estava no chão, pronta, e Takichi estava fazendo agora os buracos na esteira que seria pendurada do lado do barco.
Quando estive na sua casa, eu disse que você poderia levar seu barco para perto do meu para observar, mas, pensando bem, não posso deixar você fazer isso. Iria assustar os peixes. Mas pergunte o que quiser que eu lhe digo — disse Takichi sem parar de trabalhar na esteira.
Isaku imaginava que isso fosse acontecer. Assim que a temporada de saury começava, os homens ficavam ultra-sensíveis e gritavam com qualquer outro pescador que aproximasse demais seu barco dos deles. Uma segunda visão muito afiada era necessária para pescar saury, e a menor distração poderia arruinar a pesca de um dia, assim não era de estranhar que Takichi se recusasse a deixar Isaku se aproximar com o barco.
Diga-me como agarrar os peixes. Eles sempre escapam de mim — disse Isaku, olhando para o rosto de Takichi.
Takichi parou o que estava fazendo e ergueu uma das mãos, movendo os dedos lentamente no ar antes de fechá-los subitamente.
Você pega o peixe quando sentir que a cabeça dele está entre seus dedos. Eles fogem se você pegar mais para trás.
A cabeça — disse Isaku, movendo os próprios dedos no ar.
Se você deixar um deles passar pelos seus dedos, eles não vão voltar. E, quando pegar um, não crave as unhas nele. Eles vão fugir se sentirem o cheiro do sangue de um deles na água.
Isaku assentiu enquanto Takichi retomava o trabalho.
Mais uma coisa. Por que é que os peixes não chegam perto do meu barco?
Takichi ergueu o rosto ao responder.
Eles conseguem ver sua sombra na água. Fique bem deitado dentro do barco e passe só o braço pela beirada. Os saury ficam assustados quando percebem a presença de alguém.
Isaku sabia de tudo isso, mas até então não dera muita importância a esses detalhes.
Takichi baixou os olhos para a esteira de palha em seu colo. Isaku olhou para ele, impressionado que seu primo fosse um pescador experiente aos dezessete anos. Era claro que a obrigação de cuidar da mãe e, agora, sendo um homem casado haviam incutido nele um forte senso de responsabilidade. Isaku não podia evitar ver o primo sob um novo prisma.
Ansioso para chegar em casa e arrumar seu equipamento de pesca, Isaku agradeceu a Takichi e a Kura e partiu. Começou a trabalhar naquela noite e recomeçou na manhã seguinte. Era quase meio-dia quando terminou.
Isaku e a mãe carregaram o equipamento até a praia, sob a chuva fina, e o colocaram na canoa. Diziam que a melhor hora para pescar era durante o pôr-do-sol, por isso não havia nenhum barco na água ainda.
Ele foi até a praia novamente depois do almoço e encontrou os homens preparando seus barcos para sair. Os saury vinham do oeste; os homens iriam pescar ao redor da ponta da proeminência de terra à esquerda, a cerca de quatro quilômetros da praia. Os barcos deixavam a areia um atrás do outro, assim Isaku também colocou a faixa no cabelo e empurrou seu barco para a água. Agarrando o remo, ele saiu contornando o recife. O mar estava tão calmo que as ondas mal colidiam contra o cabo. As fileiras de casas da aldeia desapareceram à distância quando os contornos das montanhas se desdobraram atrás deles. A chuva tinha cessado, mas um denso nevoeiro cobria as encostas, escondendo a vegetação.
Isaku remou com toda sua força, mas pouco a pouco todos os barcos o ultrapassaram. Sahei era o único que ele via para trás.
O barco começou a balançar mais quando chegou perto do cabo e ao mar aberto além dele. Os homens adiante já haviam começado a pescar quando Isaku guardou o remo, lançou a âncora e soltou a esteira de palha na popa do barco. As esteiras ondulavam para cima e para baixo com o movimento do mar enquanto se afastavam, esticando a corda. Isaku lançou o último pedaço sobre a lateral do barco e, lembrando-se do conselho de Takichi, encolheu o corpo, erguendo apenas a cabeça para espiar as esteiras flutuando atrás. Segundo Takichi, ele deveria puxar lentamente a corda para trazer as esteiras para perto do barco quando sentisse que um cardume de saury estava sob elas, mas não conseguia ver nenhum sinal dos peixes. Outros homens já estavam puxando as esteiras pela corda, deitados no fundo do barco.
Isaku ficou observando atentamente, mas não viu nenhum movimento diferente. Ainda assim, pensou ele, devia haver um cardume de saury por ali. Ele pegou a corda e começou a puxar. A esteira veio lentamente na direção do barco. Estava pesada.
Quando a esteira chegou ao barco, ele amarrou a corda na popa. Aproximou-se da esteira amarrada à lateral do barco, enfiou a mão através de um dos orifícios, separou os dedos e lentamente os colocou dentro da água. Concentrou-se na área sob a esteira. Podia ver o brilho prateado dos peixes passando. Eles estavam mesmo ali, pensou ele.
Os brilhos prateados foram se tornando mais numerosos e começaram a se agitar sob a superfície. Alguns até pareciam parar por um instante. Os saury passavam roçando seus dedos e então desapareciam. Isaku lembrou-se do conselho de Takichi para que não pegasse o primeiro peixe, pois se o fizesse o cardume inteiro iria fugir. Os saury passavam por entre seus dedos, ele podia enxergá-los claramente. Por diversas vezes sentiu o impulso de agarrá-los, porém seus dedos pareciam manter o controle por conta própria e não se moveram.
Quando afinal avistou a cabeça de um saury passando entre seus dedos, ele a agarrou abruptamente, mas o peixe se debateu e escorregou, fugindo. O cardume de saury desapareceu em um segundo.
Isaku tirou a mão da água e esfregou o rosto com força. Mais uma vez estava sendo lembrado que pescar saury não era uma tarefa fácil e que pegá-los com a mão não era algo que se aprendia de um dia para o outro. Tentou se consolar dizendo a si mesmo que não tinha se saído tão mal, afinal, já que no ano anterior não conseguira nem fazer os peixes se reunir sob o tapete, quanto mais estar com eles em volta dos dedos.
Ao redor, ele podia ver os homens pegando os peixes e jogando-os dentro dos barcos. A chuva fina recomeçou. Isaku soltou a esteira e a corda novamente, esperou o que julgou ser o tempo adequado, então puxou-a outra vez, mas não havia nenhum sinal de saury sob o tapete.
Pouco depois o mar adquiriu uma cor escura, e os homens começaram a levar os barcos de volta para a praia. Isaku puxou as esteiras, pegou o remo e os acompanhou. Seguindo o barco à frente, ele desviou do recife e seguiu na direção da fogueira acesa na praia. A noite estava caindo e as pessoas na praia pareciam vermelhas à luz do fogo.
Isaku levou o barco até a praia, então puxou-o para cima com a ajuda da mãe. Ela não disse nada depois de passar os olhos pelo fundo do barco.
Naquela noite, ele foi novamente visitar Takichi. O cheiro do saury frito e da fumaça do fogo ainda impregnavam o ar na casa do primo.
Nem mesmo um — suspirou Isaku ao sentar-se na beirada da cama, mas Takichi apenas sorriu levemente de perto do fogão. — Como você sabe quando os peixes vieram para debaixo do barco?
Instinto, experiência... a água muda um pouquinho de cor. E parece se mexer, também — respondeu Takichi.
Isaku não disse nada. O primo se levantou, dizendo:
Coma isso. — Ele ofereceu um pouco do saury grelhado no espeto.
Isaku balançou a cabeça com veemência, levantou-se e deixou a casa sem dizer mais uma palavra.
Com exceção dos dias em que o mar estava bravo, Isaku saía com seu barco junto com os outros homens. A temporada de saury estava chegando ao auge, e a pesca ficava melhor a cada dia. Parecia que Sahei estava sendo ensinado pelo pai e quase invariavelmente ele trazia dez peixes por dia. Os outros homens voltavam com o fundo do barco coberto de saury.
Isaku sentia vergonha de voltar para a praia sem ter pescado absolutamente nada. Sua mãe não fazia nenhum comentário e preparava uma sopa rala de legumes e arroz para o irmão e irmã mais novos. O fato de não conseguir pegar nenhum peixe para eles atormentava Isaku.
Cerca de duas semanas depois de ter começado a tentar Pescar saury, Isaku notou um leve borrifo de água perto da esteira de palha. Além disso, teve a impressão de notar uma ligeira diferença na cor da água naquele ponto. Talvez fosse apenas impressão realmente, pensou ele. O mar estava calmo, quase sem ondas, e não parecia que iria mudar.
Isaku pegou a corda e puxou-a gentilmente. A esteira foi se aproximando cada vez mais, por fim se alinhando à outra, amarrada na lateral do barco. Prendendo a corda, ele arriscou uma espiadela sob o tapete.
Conseguiu ver uma massa de peixinhos prateados se retorcendo. Isaku ficou agitado. Seus olhos não o estavam enganando, afinal de contas. Ele tinha conseguido detectar a presença dos peixes a uma distância de quarenta metros. Sem dúvida, era normal para os pescadores experientes, mas para Isaku aquilo era uma realização e tanto.
Estendendo a mão, ele a mergulhou lentamente na água entre as esteiras e começou a mover os dedos separados. A água sob a esteira estava infestada de saury. Os peixes estavam em excelentes condições, belos, tanto em forma e tamanho quanto na cor. Um deles começou a deslizar entre seus dedos e parou bem debaixo de sua mão. Erguendo a mão para fora da água, ele olhou para o saury que se debatia, brilhando ao sol da tarde. Lágrimas vieram aos seus olhos. Estava emocionado com a ideia de que conseguiria peixes para alimentar seu irmãozinho e irmãzinha que tomavam apenas caldo de arroz junto do fogo.
Isaku colocou o peixe no fundo do barco e tornou a enfiar a mão pelo buraco na esteira, para dentro da água.
Naquela noite, a mãe de Isaku cortou o saury em quatro porções iguais, enfiou-as no espeto e levou-o ao fogo. Um fiozinho de fumaça subiu, e as chamas brilhavam mais forte cada vez que um pouco de óleo escorria dos pedaços espetados de peixe. O irmão e a irmã ficaram olhando para o peixe, os olhos brilhando.
A mãe deu a ele a parte do peixe com a cabeça, e deu as outras três ao irmão e irmã. Isaku percebeu que, oferecendo a ele a cabeça do peixe, a mãe estava reconhecendo sua posição como provedor da família.
O saury quente estava delicioso. A visão do irmão e da irmã comendo sofregamente a carne do peixe e depois retirando o que sobrara de carne entre as espinhas fez com que ele percebesse que a quantidade que pescara ainda não fora suficiente.
Aquela temporada acabou sendo excepcional. À medida que os dias passavam, mais e mais saury pareciam se contorcer sob o tapete. No pouco tempo que ficavam na água, os pescadores pegavam um saury depois do outro, e a maioria dos barcos voltava para a praia com mais de uma centena de peixes.
Dali em diante, Isaku também aprendeu a técnica e não muito tempo depois estava pegando vários saury por dia. Havia dias em que pegava dez. A mãe permitia que comessem apenas um peixe por dia e preservava os outros no sal.

Akira Yoshimura, in Naufrágios

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