Numa
incerta hora fria
perguntei
ao fantasma
que
força nos prendia,
ele
a mim, que presumo
estar
livre de tudo,
eu
a ele, gasoso,
todavia
palpável
na
sombra que projeta
sobre
meu ser inteiro:
um
ao outro, cativos
desse
mesmo princípio
ou
desse mesmo enigma
que
distrai ou concentra
e
renova e matiza,
prolongando-a
no espaço,
uma
angústia do tempo.
Perguntei-lhe
em seguida
o
segredo de nosso
convívio
sem contato,
de
estarmos ali quedos,
eu
em face do espelho,
e
o espelho devolvendo
uma
diversa imagem,
mas
sempre evocativa
do
primeiro retrato
que
compõe de si mesma
a
alma predestinada
a
um tipo de aventura
terrestre,
cotidiana.
Perguntei-lhe
depois
por
que tanto insistia
nos
mares mais exíguos
em
distribuir navios
desse
calado irreal,
sem
rota ou pensamento
de
atingir qualquer porto,
propícios
a naufrágio
mais
que a navegação;
nos
frios alcantis
de
meu serro natal,
desde
muito derruído,
em
acordar memórias
de
vaqueiros e vozes,
magras
reses, caminhos
onde
a bosta de vaca
é
o único ornamento,
e
o coqueiro-de-espinho
desolado
se alteia.
Perguntei-lhe
por fim
a
razão sem razão
de
me inclinar aflito
sobre
restos de restos,
de
onde nenhum alento
vem
refrescar a febre
deste
repensamento;
sobre
esse chão de ruínas
imóveis,
militares
na
sua rigidez
que
o orvalho matutino
já
não banha ou conforta.
No
voo que desfere,
silente
e melancólico,
rumo
da eternidade,
ele
apenas responde
(se
acaso é responder
a
mistérios, somar-lhes
um
mistério mais alto):
Amar,
depois de perder.
Carlos Drummond de Andrade, in Claro Enigma
Nenhum comentário:
Postar um comentário