Janeiro
de 1963: faço 50 anos.
Não
é divertido. Para falar com franqueza, eu preferia (e obscuramente
sinto vontade de dizer: eu merecia) fazer quarenta anos.
Esta
a idade que me apraz imaginar que possuo. Não tenho saudade de meus
30 anos, quero dizer — não teria vontade de voltar a ser como eu
era aos 30 anos — e muito menos aos 20. Mas, 40 acho que faria uma
boa conta.
Sei
que não adianta reclamar, mas acho que fui roubado.
Contaram-me
dez anos a mais... Naturalmente somaram tudo, tudo, inclusive o tempo
que passei, vamos dizer, perdendo tempo. Por exemplo: andando atrás
de mulher que não queria saber de mim. Isso não devia valer. Que me
marcassem agora 45 anos vá lá. Cinquenta, francamente, acho um
pouco demais, e um pouco demasiado de repente. Parece que não há
remédio senão aceitar. Aceito resmungando, como quem paga, de má
vontade, uma conta de bar que está achando exagerada.
Cinquenta
anos... Uma injustiça, sem dúvida alguma. Logo comigo, que tinha
tanta vocação para ser rapaz!
Sou,
na verdade, um velho rapaz, e faço meus 50 anos sem rir, sem chorar;
sem chorar, sem rir. Resmungando, é natural. O momento seria bom
para uma pausa, um balanço, um exame de consciência. Vou pensar
nisso; mas agora não, ainda estou meio chocado com essa brincadeira
boba.
A
verdade é que a gente não envelhece por igual, como essas frutas
dos pomares bem-cuidados. A gente envelhece como goiaba da roça; uma
parte está de vez, outra já madura, um pedaço ainda está verde e
já outro preto, bichado.
Essa
comparação não deve ser minha; acho que já li isso em alguma
parte, talvez em Gilberto Amado; parece coisa dele.
Para
disfarçar, e como tinha de viajar, arranjei as coisas para passar o
dia de meu aniversário em viagem. Saí cedo de Rabat em automóvel
para pegar em Casablanca um avião que me levaria a Lisboa, onde no
dia seguinte embarcaria para o Rio. Mas o aeroporto de Lisboa esteve
trancado por um nevoeiro, e como as notícias eram incertas passei o
dia entre o aeroporto, o hotel e a agência da companhia; acabei
fazendo uma escala absurda em Madri, que é mais longe do que Lisboa.
Essa
confusão aborrecida me deu a vaga impressão de estar entrando
clandestinamente na minha segunda metade de século.
Metade,
por sinal, bem menor que a primeira...
Só
há um consolo verdadeiro: a companhia. Fazendo 50 anos em 1963 eu me
igualo, pelo menos em idade, a duas das mais altas e puras
instituições cariocas: Vinicius de Moraes e o bondinho do Pão de
Açúcar. O poeta faz 50 anos em 19 de outubro; o bondinho fez agora
mesmo, em janeiro, um pouco depois de mim.
Nesses
50 anos de funcionamento, esse bondinho teve raros acidentes, já deu
muito susto e já ameaçou se despencar no abismo, mas nunca matou
ninguém. Como o Vinicius de Moraes. Como o Vinicius de Moraes, cuja
poesia também tantas vezes nos leva sobre a terra e o mar em visões
de beleza, entre nuvens e luas... Bons companheiros!
Mas
eu preferia fazer quarenta.
Rio,
janeiro, 1963.
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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