Tenho
um afilhado, que se chama João.
Foi
o caso que Joaquim Capixaba, antigo pescador, tinha combinado com meu
pai que este seria o padrinho de seu próximo filho — isso foi na
praia de Marataíses, Estado do Espírito Santo. “No verão que
vem, coronel.” Mas o coronel Chico Braga morreu antes do tempo, e
não teve mais nenhum verão de praia, que tanto o regalava. A
família ficou pobre, a viúva teve de vender a casa da praia e mais
uns terreninhos; a primeira vez que voltei lá, estava jogando um
sete-e-meio na casa do professor Jorge Kafuri e quando ia saindo veio
falar comigo o Capixaba, que tinha sabido de minha chegada e estava
há uma porção de tempo me esperando lá fora, acanhado.
Era
para eu ser padrinho da criança, no lugar do falecido. Pois não,
Joaquim muito obrigado.
— Então
nesse domingo, compadre?
Depois
ficamos conversando, eu vendo que o Joaquim estava querendo me dizer
mais alguma coisa, porém sem jeito. Afinal desembuchou: e o nome da
criança? Perguntei se era menino ou menina. Era menino. João, “João
mesmo, compadre?” Aí eu disse uma dessas bobagens que a gente
aprende quando é criança e não tem jeito de esquecer: “que for
mulher chamaria Maria, que for homem chamarão João”. E acabou a
conversa.
No
outro dia minha irmã me contou que o Joaquim tinha conversado com
ela uma conversa muito embrulhada, no fim era para dar a entender que
estava meio sem graça com o nome que tinha escolhido para o menino,
sendo eu um rapaz tão preparado, com tantos estudos, podia escolher
um nome bonito, ia botar nome de João. Se minha irmã não podia
falar comigo com muito jeito... Eu, como era rapazinho, até que
estava agradado de ser padrinho de alguém, mas ao mesmo tempo era
uma estopada ter de botar sapato e ir à Vila (naquele tempo não
havia igreja na praia) logo numa manhã de domingo, quando o banho
tem mais movimento com o pessoal que chega de Cachoeiro no sábado.
Assim, quando encontrei o Joaquim, fiz um ar meio amuado, disse a ele
com toda delicadeza que tinha ficado muito contente dele me convidar
para compadre, mas como sabia que ele não estava satisfeito com o
nome que eu tinha escolhido para o menino, se ele quisesse até era
melhor, para ele, escolher uma pessoa melhor para padrinho, pois eu
já vivia fora do Estado, era capaz de nunca mais vir a Marataíses,
assim que para o menino era também melhor ter um padrinho que
morasse mesmo no Cachoeira, ou então alguém duma dessas famílias
de Muqui, de Alegre, que vêm todo ano; que ele não se acanhasse de
convidar outro, pois eu não ficaria zangado.
— O
senhor nem me diga isso, compadre!
O
Joaquim ficou tão envergonhado e tão triste que nem sabia o que
dizer, e, para encurtar conversa, domingo lá estava eu na igreja da
Vila do Itapemirim de vela na mão, com o diabo do menino chorando
que era um desespero.
Filho
de pobre é feito criação de peru, perde-se muito. Anos depois eu
soube que tinha dado uma peste na casa do compadre Joaquim Capixaba e
ele perdera vários filhos, inclusive o maiorzinho que já ajudava;
mas meu afilhado João, esse se salvara. E o Joaquim dizia a diversas
pessoas: — Devoção forte é essa do compadre Rubes em São João!
E o Santo reconhece!
Rubem Braga, in A traição das elegantes
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