domingo, 12 de fevereiro de 2023

Tarde em Itapuã | Toquinho e Vinicius, 1971


A partir dos afro-sambas que fez com Baden Powell, no início dos anos 1960, o carioca e “branco mais preto do Brasil” foi virando baiano. Até se mudar de mala e cuia para uma casa na praia de Itapuã com sua nova mulher, a baiana Gessy Gesse, numa temporada que inspirou a criação de um dos seus maiores sucessos na parceria com o violonista paulistano Toquinho. A letra hedonista é um autorretrato do artista maduro curtindo a vida e o amor: “Um velho calção de banho / um dia pra vadiar…”
Em maio de 1969, cinco meses após o AI-5, Vinicius foi aposentado compulsoriamente do Itamaraty – o que, de certa forma, facilitou a sua vida de artista, a qual passou a exercer plenamente. Com 56 anos, ele se livrou de vez dos ternos, das exigências e dos protocolos da carreira diplomática para ser artista e para continuar sendo um eterno adolescente em sua vida amorosa, largando tudo e se reinventando a cada nova paixão. Seu sétimo casamento, com a baiana Gessy, 26 anos mais nova, levou-o à Bahia e ao candomblé, e, por algum tempo, a casa na praia de Itapuã virou seu porto seguro quando não estava navegando pelos palcos.
Na verdade, Vinicius pouco desfrutou da idílica Itapuã. Em boa parte graças ao trabalho iniciado em 1970 com Toquinho, seu derradeiro parceiro fixo, a última década de vida do poeta foi de intensa atividade e muitas viagens. Violonista virtuoso e compositor de talento, Toquinho (Antonio Pecci Filho, 1946) virou o seu fiel escudeiro em discos e shows, dos circuitos universitários no interior do Brasil aos clubes, bares e teatros da Argentina, do Uruguai, de Portugal e da Itália. Em turnês na base de dois banquinhos e algumas doses de uísque, com o violão e a voz de Toquinho e uma cantora – Marilia Medalha ou Maria Creuza foram as mais frequentes –, Vinicius fez mais de 1.000 shows, até sua morte aos 67 anos.
O casamento musical com Toquinho rendeu mais de 100 canções, entre elas “A tonga da mironga do cabuletê”, “Regra três”, “Meu pai Oxalá”, “Testamento” e “Tarde em Itapuã”, que foi uma das primeiras, abrindo o álbum Como dizia o poeta…, de Toquinho, Vinicius e Marilia Medalha, lançado em 1971. Inicialmente, Vinicius escreveu a letra para ser musicada por Dorival Caymmi, mas, ajudado pela preguiça de Caymmi, o novato insistiu, trabalhou dois meses na composição e conquistou definitivamente o parceiro consagrado.

Nelson Motta, in 101 canções que tocaram o Brasil

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