No
dia 21 de setembro comemorou-se o Dia da Árvore, o que deve ter dado
trabalho a muito menino do primário, do qual certamente exigiriam
uma redação sobre o tema: com a alma bocejando, os meninos devem
ter dito que a árvore dá sombra, frutos etc.
Mas,
ao que eu saiba, não se comemora o dia da planta, ou melhor, da
plantação. E esse dia é importante para a experiência humana das
crianças e dos adultos. Plantar é criar na Natureza. Criação
insubstituível por outro tipo qualquer de criação.
Lembro-me
de quando eu era menina e fui passar o dia numa granja. Foi um dia
glorioso: lá plantei um pé de milho com muito amor e excited.
Depois, de quando em quando, eu pedia notícias do que havia criado.
Mais
tarde, na Suíça, plantei um pé de tomates numa lata grande,
bonita. Quando começaram a aparecer os ainda pequenos tomates verdes
e duros achei inacreditável que eu mesma lhes tivesse provocado o
nascimento: eu entrara no mistério da Natureza. Cada manhã, ao
acordar, a primeira coisa que fazia era ir examinar minuciosamente a
planta: é como se a planta usasse a escuridão da noite para
crescer. Esperar que algo amadureça é uma experiência sem par:
como na criação artística em que se conta com o vagaroso trabalho
do inconsciente. Só que as plantas são a própria inconsciência.
Nesse
reino, que não é nosso, a planta nasce, cresce, amadurece e morre.
Sem nenhum objetivo de satisfazer algum instinto. Ou estarei
enganada, e há instintos os mais primários no reino vegetal? Meu
tomateiro parecia ter tomates vermelhos porque assim queria, sem
nenhuma outra finalidade que não a de ser vermelho, sem a menor
intenção de ser útil. A utilização do tomate para se comer é
problema dos humanos.
Um
dos gestos mais belos e largos e generosos do homem, andando
vagarosamente pelo campo lavrado, é o de lançar na terra as
sementes.
E
quando os tomates ficaram redondos, grandes e vermelhos? Chegara a
hora da colheita. Não foi sem alguma emoção que vi num prato da
mesa os tomates que eram mais meus que um livro meu. Só que não
tive coragem de comê-los. Como se comê-los fosse um sacrilégio,
uma desobediência à lei natural. Pois um tomateiro é arte pela
arte. Sem nenhum proveito senão o de dar tomate.
O
ritmo das plantas é vagaroso: é com paciência e amor que ela
cresce.
Entrar
no Jardim Botânico é como se fôssemos transladados para um novo
reino. Aquele amontoado de seres livres. O ar que se respira é
verde. E úmido. É a seiva que nos embriaga de leve: milhares de
plantas cheias de vital seiva. Ao vento as vozes translúcidas das
folhas de plantas nos envolvem num suavíssimo emaranhado de sons
irreconhecíveis. Sentada ali num banco, a gente não faz nada: fica
apenas sentada deixando o mundo ser. O reino vegetal não tem
inteligência e só tem um instinto, o de viver. Talvez essa falta de
inteligência e de instintos seja o que nos deixa ficar tanto tempo
sentada dentro do reino vegetal.
Lembro-me
de que no curso primário a professora mandava cada aluno fazer uma
redação sobre um naufrágio, um incêndio, o Dia da Árvore. Eu
escrevia com a maior má vontade e com dificuldade: já então não
sabia seguir senão a inspiração. Mas que seja esta a redação que
em pequena me obrigavam a fazer.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
Nenhum comentário:
Postar um comentário