No
fim, somos todos criaturas da química, e uma das grandes conquistas
da ciência neste fim de século foi controlar a química que nos
controla. Assim muitos problemas “psíquicos”, sinônimo para o
que não tinha explicação orgânica ou solução farmacêutica,
passaram a ser tratados quimicamente. Mais importante, descobriram-se
soluções químicas para problemas que antes só eram resolvidos com
bruxaria ou prótese, como a impotência. O Viagra é o grande
símbolo do novo domínio do homem sobre os seus sistemas e tecidos,
eréteis ou não.
Mas
se o Viagra acaba com o problema, assim, instrumental, não resolve
todas as queixas de uma relação sexual. Muitas mulheres sustentam
que mais importante do que um pênis ereto é um parceiro solícito e
carinhoso. Falta a pílula da consideração, o Viagra do antes. Por
que não uma pílula cujo efeito imediato no homem seria fazê-lo
mandar flores, propor um jantarzinho, quem sabe um cineminha e depois
ficar uma hora na cama fazendo beijo de esquimó e falando coisas
como “diz going-going-going, diz”? Em vez de só esperando o
Viagra fazer efeito para gritar “acho que deu!”, e pimba. As
mulheres também reclamam do desinteresse do homem depois do sexo.
Falta um Viagra Pós-Coital que estimule a conversa filosófica, a
reflexão a dois, até um debate crítico, qualquer coisa para evitar
que ele simplesmente vire para o lado e durma, ou pegue o controle
remoto.
Ainda
não se sabe exatamente como funcionam, em nosso corpo, coisas como a
honestidade e o sentimento ético, mas podem muito bem ser processos
químicos também. Assim, seria possível as pessoas compensarem suas
deficiências neste terreno com pílulas.
Imagine
se deputados e senadores conscientes tivessem acesso a viagras morais
como a pílula da fidelidade partidária, que asseguraria não apenas
a sua resistência a qualquer tipo de aliciamento como a confiança
do seu eleitorado na sua coerência. A História do Brasil seria
outra. Mas antes, claro, teria que haver uma pílula de consciência.
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
Nenhum comentário:
Postar um comentário