– Qual
é a coisa mais antiga do mundo?
– Poderia
dizer que é Deus que sempre existiu.
– Qual
é a coisa mais bela?
– O
instante de inspiração.
– E
Deus quando criou o Universo não o fez no momento de Sua maior
inspiração?
– O
Universo sempre existiu. O cosmos é Deus.
– Qual
das coisas é a maior?
– O
amor, que é o maior dos mistérios.
– Das
coisas qual é a mais constante?
– O
medo. Que pena que eu não possa responder: é a esperança.
– Qual
o melhor dos sentimentos?
– O
de amar e ao mesmo tempo ser amada, o que parece apenas um
lugar-comum mas é uma de minhas verdades.
– Qual
é o sentimento mais rápido?
– O
sentimento mais rápido, que chega a ser apenas um fulgor, é o
instante em que um homem e uma mulher sentem um no outro a promessa
de um grande amor.
– Qual
é a mais forte das coisas?
– O
instinto de ser.
– O
que é mais fácil de se fazer?
– Existir,
depois que passa o medo.
– Qual
a coisa mais difícil de realizar?
– A
própria relativa felicidade que vem do conhecimento de si
mesmo.(Depois as perguntas se tornaram mais complicadas.)
– Você
é tímida como escritora?
– Na
hora de escrever não sou tímida. Pelo contrário: entrego-me toda.
Como pessoa sou às vezes inibida.
– Como
nascem suas histórias? Elas são planejadas antes do ato de
escrever?
– Não,
vão se desenvolvendo à medida que escrevo, e nascem quase sempre de
uma sensação, de uma palavra ouvida, de um nada ainda nebuloso.
– Como
é que você se sente durante o ato de escrever? E depois de escrito
o livro, você se preocupa com o destino dele?
– Enquanto
escrevo o bom é que não dou mostra da grande excitação de que sou
às vezes tomada. E por mais difícil que seja o trabalho, sinto uma
felicidade dolorosa pois, com os nervos todos aguçados, fico sem a
cobertura de um cotidiano banal. E depois de pronto o livro, de
entregue ao editor, posso dizer como Julio Cortázar: retesa o arco
ao máximo enquanto escreve e depois o solta de um só golpe e vai
beber vinho com os amigos. A flecha já anda pelo ar, e se cravará
ou não se cravará no alvo; só os imbecis podem pretender modificar
sua trajetória ou correr atrás dela para dar-lhe empurrões
suplementares com vistas à eternidade e às edições
internacionais.
– O
que acontece com a pessoa encabulada que você é, enquanto tem a
ousadia de escrever?
– Desabrocho
em coragem, embora na vida diária continue tímida. Aliás sou
tímida em determinados momentos, pois fora destes tenho apenas o
recato que também faz parte de mim. Sou uma ousada-encabulada:
depois da grande ousadia é que me encabulo.
– Você
conhece os seus maiores defeitos?
– Os
maiores não conto porque eu mesma me ofendo. Mas posso falar
naqueles que mais prejudicam a minha vida. Por exemplo, a grande fome
de tudo, de onde decorre uma impaciência insuportável que também
me prejudica.
– Você
sente e participa dos problemas da vida nacional?
– Como
brasileira seria de estranhar se eu não sentisse e não participasse
da vida do meu país. Não escrevo sobre problemas sociais mas eu os
vivo intensamente e, já em criança, me abalava inteira com os
problemas que via ao vivo.
Clarice Lispector, in Todas as crônicas
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