O
nome era Lutetia, mas as pessoas escreviam Lutécia, até o sujeito
do registro civil fizera isso. Mas antes de soldarem o nome sobre o
mármore polido, ela verificaria todas as letrinhas de metal, uma por
uma, para não haver erro. Há coisas que se você não faz, os
outros fazem errado por você. Por isso ela tivera o cuidado de tomar
todas as providências necessárias.
Era
um lugar bom para passear, cheio de aleias arborizadas, vazias e
silenciosas. Naquele dia, numa das alamedas, surgiu um cortejo de
pessoas caminhando caladas. Lutetia se afastou para longe, não
queria assistir à cerimônia que ia se realizar. As pompas que
envolviam aquela solenidade, por mais modestas e discretas que
fossem, não a interessavam. Ela preferia contemplar as esculturas,
dois anjos, um contrito, outro de asas abertas como se fosse levantar
voo, o busto de um homem engravatado, um avião, daqueles antigos com
hélices, uma lira, uma partitura com notas musicais.
Ao
voltar para casa Lutetia teve, outra vez, a sensação de que aquele
não era mais o seu lugar. Como se estivesse num quarto de hotel, um
espaço ocupado provisoriamente, que não era dela. As cortinas, os
móveis, os quadros, os objetos, a cama com a colcha, o armário de
roupas, eram coisas estranhas, desconhecidas, que aumentavam sua
vontade de partir. Mas pensou na bailarina clássica de bronze,
dançando com os braços abertos, que mandara esculpir para soldar
sobre o mármore polido, o que lhe deu paciência e ânimo para
esperar o que ia acontecer.
Numa
quinta-feira, depois de tudo pronto, ela voltou ao cemitério. A
bailarina já estava colocada sobre a lápide. E também as letras do
seu nome, Lutetia, apenas o nome, ela não queria nenhuma data.
Olhou
em torno. As sepulturas, do mesmo tamanho, apenas a cor do mármore
variava, estavam dispostas com bela simetria ao longo da aleia. Perto
havia uma árvore que projetava uma sombra sob a qual Lutetia se
abrigou.
Rubem Fonseca, in Pequenas Criaturas
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