Frank
entrou no trânsito da autoestrada.
Era
embalador da American Clock Company. Há seis anos já. Nunca ficara
seis anos num emprego e agora o filho da puta estava realmente
acabando com ele. Mas aos quarenta e dois anos, sem educação
superior e com o desemprego chegando a dez por cento, não tinha
muita escolha. Era seu décimo quinto ou décimo sexto emprego, e
todos tinham sido terríveis.
Frank
estava cansado e queria chegar em casa e tomar uma cerveja. Manobrou
o Fusca para entrar na pista de alta velocidade. Quando conseguiu,
não estava mais tão certo de que tinha pressa de chegar em casa.
Fran estaria à espera. Quatro anos já.
Ele
sabia o que o esperava. Fran mal podia esperar o primeiro tiro
verbal. Ele sempre esperava o primeiro tiro dela. Nossa, ela não
podia esperar pra lhe dar a porrada. Depois, porrada, porrada,
porrada...
Frank
sabia que era um perdedor. Não precisava que Fran lhe lembrasse
desse fato, o ilustrasse. Seria de pensar que duas pessoas que vivem
juntas ajudariam uma à outra. Mas não, caíam no hábito da
crítica. Ele a criticava, ela o criticava. Eram perdedores os dois.
Agora só lhes restava ver quem podia ser mais sarcástico sobre
isso.
E
aquele filho da puta, Meyers. Ele voltara ao departamento de remessas
dez minutos antes da hora da saída e ficara lá parado.
– Frank.
– Sim.
– Está
pondo rótulos de FRÁGIL em todas as embalagens?
– Estou.
– Está
embalando com cuidado?
– Estou.
– Estamos
recebendo um número cada vez maior de reclamações de clientes
sobre mercadorias quebradas.
– Acho
que os acidentes em trânsito acontecem.
– Tem
certeza de que está embalando os produtos corretamente?
– Tenho.
– Talvez
a gente devesse experimentar empresas de caminhão diferentes.
– São
todas iguais.
– Bem,
quero ver uma melhora. Menos coisas quebradas.
– Sim,
senhor.
Meyers
outrora controlara toda a American Clock Company, mas a bebida e um
mau casamento o tinham arruinado. Tivera de vender a maioria de suas
ações, e agora era apenas administrador assistente. Deixara a
bebida, e em consequência vivia sempre irritável. Meyers estava
continuamente tentando provocar Frank para deixá-lo furioso. Aí
teria uma desculpa para despedi-lo.
Não
havia nada pior que um bêbado reformado e um convertido religioso, e
Meyers era as duas coisas juntas…
Frank
meteu-se atrás de um carro velho na pista de alta velocidade. Era um
esbodegado bebe-gasolina, um sedan, e soltava uma trilha imunda de
fumaça do cano de descarga. Tinha os para-choques amassados, que
vibravam com a marcha do sedan. A pintura quase sumira do carro, que
era quase sem cor, um cinza fumacento.
Nada
disso preocupava Frank. O que o preocupava era que o carro ia devagar
demais, na mesma velocidade do carro na pista ao lado. Ele verificou
o velocímetro. Estavam indo a oitenta e cinco por hora. Por quê?
Talvez
não tivesse importância. Fran estava à espera. Era Fran numa ponta
e Meyers na outra. A única hora que tinha sozinho, a única hora em
que ninguém o atacava, era quando dirigia na ida e na volta do
trabalho. Ou quando dormia.
Mesmo
assim, não gostava de ver-se preso na autoestrada. Não tinha
sentido. Ele olhou os dois caras sentados na frente do sedan. Os dois
falavam e riam ao mesmo tempo. Eram dois jovens vagabundos de 23 ou
24 anos. Frank sentia-se satisfeito por não ouvir a conversa.
Aqueles vagabundos começavam a irritá-lo.
Então
Frank viu sua chance. O carro à direita do velho sedan ia um pouco
mais rápido, forçava à frente. Frank passou para trás do outro
carro.
Começou
a desfrutar a liberdade de meter o pé ali. Seria uma pequena vitória
depois de um dia horrível, com uma noite horrível à frente. Ia
vencer.
Então,
no momento em que se preparava para cortar a frente do velho sedan, o
vagabundo ao volante acelerou fundo, encostou, fechou-o e emparelhou
de novo com o outro carro.
Frank
meteu-se atrás do carro do vagabundo. Os dois continuavam falando e
rindo. Ele viu o adesivo no para-choque. JESUS TE AMA.
Então
notou o decalque no para-brisa traseiro. THE WHO. Bem, eles tinham
Jesus e The Who. Por que diabos não podiam deixá-lo passar?
Frank
seguia atrás deles, colado no para-choque traseiro. Eles continuavam
conversando e rindo. E dirigindo exatamente na mesma velocidade do
carro à direita. Oitenta quilômetros.
Frank
conferiu o retrovisor. Até onde podia ver, o fluxo de tráfego lá
para trás era ininterrupto.
Frank
passou o Fusca da pista de alta velocidade para a do lado, depois
para a de baixa velocidade. O trânsito ia mais rápido ali. Ele
contornou um carro lançando-se para a esquerda e depois soltou-se no
vazio. Ao fazer isso, viu o velho sedan acelerar. Os vagabundos
encostaram a seu lado. Frank conferiu o velocímetro. Noventa
quilômetros por hora. Frank acelerou para cem. Os vagabundos
continuavam ali. Ele subiu para cento e dez. Os vagabundos
continuavam juntos.
Agora
tinham pressa. Por quê?
Frank
pisou no acelerador até o fundo. O Fusca só ia até cento e dez.
Ele ia fundir o motor ou pedir o penico. Os vagabundos se mantinham
emparelhados com ele, mesmo torrando o carro deles.
Ele
olhou-os. Dois jovens louros, com fios de barbicha. Os rostos
voltaram-se para ele. Rostos vazios, como traseiros de peru, com
buraquinhos servindo de boca.
O
vagabundo ao lado do motorista mostrou o dedo médio para Frank.
Frank
apontou o dedo primeiro para o cara que fizera o gesto, depois para o
motorista. Depois apontou a saída da auto-estrada. Os dois fizeram
que sim com a cabeça.
Frank
saiu na frente. Parou num sinal. Os outros esperaram atrás. Depois
Frank tomou à direita e foi em frente, os vagabundos atrás. Ele
dirigiu até ver um supermercado. Entrou no estacionamento. Notou a
plataforma de descarga. Estava escuro ali, o supermercado fechado. A
plataforma deserta, as portas de ferro baixadas. Nada havia ali além
de espaço e pilhas de caixas de madeira vazias. Frank encostou na
plataforma de descarga. Saltou do carro, fechou-o, subiu a rampa e
percorreu a plataforma. Os vagabundos pararam o carro ao lado do dele
e saltaram.
Subiram
a rampa atrás dele. Nenhum dos dois pesava mais de sessenta e cinco
quilos. Juntos, só pesavam mais quinze quilos que ele.
Então
o cara que mostrara o dedo disse:
– Tudo
bem, seu velho merda!
Lançou-se
contra Frank, emitindo um som alto, estridente, as mãos espalmadas
numa espécie de golpe de caratê. O vagabundo girou, tentou um coice
para trás, errou, depois se voltou e atingiu a orelha de Frank com o
lado da mão. Não foi mais que um tapa. Frank lançou todos os seus
cento e quinze quilos numa forte direita na barriga do vagabundo, e o
garoto caiu na calçada segurando as tripas.
O
outro vagabundo sacou um faca de mola, abriu-a.
– Vou
cortar as porras de seus bagos! – disse a Frank.
Frank
esperou o vagabundo se aproximar, passando nervosamente a faca de uma
mão para outra. Frank recuou para as caixas. O vagabundo
aproximava-se emitindo sons sibilantes. Frank esperou, de costas para
as caixas. Aí, quando o vagabundo atacou, Frank estendeu o braço,
pegou uma caixa e jogou-a nele. Ela pegou a cara do vagabundo, e
enquanto isso Frank avançou e segurou o braço da faca. A lâmina
caiu no chão e Frank torceu o braço para as costas do vagabundo.
Suspendeu o braço até onde pôde.
– Por
favor, não quebre meu braço! – guinchou o vagabundo.
Frank
soltou o vagabundo, e ao fazê-lo deu-lhe um chute na bunda. O garoto
caiu de cara, agarrando o traseiro. Frank pegou a faca, fechou a
lâmina, guardou-a no bolso e voltou devagar para seu carro. Quando
entrou e ligou o Fusca, podia ver os dois vagabundos parados juntos
ao lado do velho sedan, olhando-o. Não falavam nem riam mais.
De
repente, ele apontou o carro e lançou-se contra eles. Os dois se
separaram, e no último instante ele se desviou. Diminuiu a marcha e
deixou o estacionamento.
Notou
que tinha as mãos trêmulas. Fora um dia dos infernos. Seguiu pelo
boulevard. O Fusca andava mal, aos esturros, como para protestar
contra o maltrato na autoestrada.
Então
Frank viu o bar. O Cavaleiro de Sorte. Tinha estacionamento na
frente. Ele parou, saltou e entrou.
Sentou-se
e pediu uma Bud.
– Onde
fica o telefone?
O
garçom do balcão lhe disse. Era perto do cagador. Ele pôs a moeda
e discou o número.
– Sim?
– atendeu Fran.
– Escuta,
Fran, vou chegar um pouco atrasado. Fui atacado. Até logo.
– Atacado?
Quer dizer que foi assaltado?
– Não,
me meti numa briga.
– Uma
briga? Não me venha com essa. Você não aguentaria brigar
nem com uma criança de peito!
– Fran,
eu gostaria que você não usasse essas expressões velhas, rançosas.
– Bem,
é verdade! Você não aguentaria brigar nem com uma criança de
peito.
Frank
desligou e voltou para o banquinho do balcão. Pegou a garrafa de Bud
e tomou um gole.
– Gosto
de um homem que bebe direto da garrafa!
Tinha
alguém sentado junto dele. Uma mulher. Seus trinta e oito anos, as
unhas sujas, o cabelo louro oxigenado empilhado frouxo no alto da
cabeça. Duas argolas de prata pendiam-lhe das orelhas, a boca
coberta de batom. Ela lambeu os lábios, devagar, depois enfiou na
boca um Virginia Slim e acendeu-o.
– Eu
me chamo Diana.
– Frank.
Que é que você bebe?
– Ele
sabe...
Ela
acenou com a cabeça para o garçom do balcão e ele pegou uma
garrafa da marca de uísque preferida dela e aproximou-se. Frank
puxou uma nota de dez e colocou-a sobre o balcão.
– Você
tem um rosto fascinante – disse Diana. – Que é que faz?
– Nada.
– Exatamente
o tipo de homem que eu gosto.
Ela
ergueu sua bebida e apertou a perna na dele enquanto bebia. Frank
descascou devagar com a unha o rótulo úmido de sua garrafa. Diana
acabou sua bebida. Frank fez um gesto para o garçom.
– Mais
duas.
– O
que é que vai tomar?
– O
dela.
– Vai
tomar o dela? – perguntou o garçom. – Uau!
Todos
riram. Frank acendeu um cigarro e o garçom baixou a garrafa. De
repente, parecia uma noite muito boa, afinal.
Charles Bukowski, in Numa Fria
Nenhum comentário:
Postar um comentário