As
mulheres se apaixonam por motivos fúteis e os homens também,
Arminda sempre ouvira dizer isso, mas estava certa de que não era o
caso dela, sempre se apaixonara por algum motivo significante, não
era nenhuma maluca, não obstante às vezes saísse com um homem por
quem não estava entusiasmada, como ia acontecer naquele dia.
Arminda
fazia mais uma viagem turística e estava hospedada num hotel. Tirou
uma roupa da mala e voltou a trancá-la com o cadeado, já havia
acontecido de pequenas peças como bijuterias e blusas terem
desaparecido, certamente furtadas pela arrumadeira, e por isso
mantinha essas roupas trancadas na sua mala, mesmo as calcinhas
usadas que não tivera tempo de lavar, que enfiava numa das sacolas
fornecidas pelas lojas onde fazia compras.
Nos
cabides dos exíguos armários dos quartos — ela se alojava em
hotéis modestos, a única maneira de poder viajar — apenas
pendurava vestidos, capas, que nunca desapareciam, pois a ladrona
sabia que isso seria notado e causaria uma reclamação junto à
gerência. Então, naquele dia, depois de se vestir — tinha pressa
estava atrasada para um encontro com um homem baixo e feio, mas ela
sentia necessidade de companhia nas suas viagens —, ela,
distraidamente, trancou a mala com o cadeado deixando a chave lá
dentro.
Só
percebeu o que fizera quando resolveu trocar a calcinha por uma de
rendas que lhe trouxera sorte em outra ocasião, e ela estava
disposta a ir para a cama com o homem com quem ia se encontrar, caso
ele a motivasse a fazer isso, o que poderia ocorrer, ainda que
Arminda não julgasse muito provável, mas havia cada vez menos
homens no mundo e ela não podia desperdiçar as oportunidades que
surgiam.
Aquele
contratempo a deixou aflita, as mulheres se desesperam por motivos
tolos, sempre ouvira isso também, mas não havia nada de leviano na
sua angústia. Ligou para a portaria pedindo ajuda e um empregado do
hotel subiu ao seu quarto, olhou a mala, disse que o cadeado era
muito forte, com aros muito grossos, e que teria que ser aberto por
um chaveiro, talvez até mesmo um ferreiro, ele não conseguiria
fazer aquilo. Arminda pediu-lhe que providenciasse alguém
imediatamente para realizar esse trabalho e o empregado respondeu que
como era domingo teriam que esperar até segunda-feira. Certamente a
sua má vontade resultara da rispidez dela, mas Arminda estava
irritada, agora certa de que perdia a oportunidade de um encontro
feliz, o homem talvez desistisse de esperá-la no saguão do hotel,
como haviam combinado.
A
calcinha que usava se tornara ainda mais sem graça, e seria capaz de
diminuir o desejo do sujeito e o dela também, pois precisava se
sentir atraente para gostar de fazer amor. Quanto mais bonita se
imaginava naquelas ocasiões, maior era a possibilidade de seu
próprio ardor ser despertado, e ela odiava se entregar sem ter a
consciência desse anseio, tinha a sensação de que o homem não
teria vontade de possuí-la. Quando Arminda não se achava desejável,
sempre provocava no parceiro uma triste frouxidão da carne que
exigia dela um esforço que era frustrante e cansativo, provavelmente
também para o homem. Não, não poderia ir ao encontro com aquela
calcinha, os homens não gostam que a nudez feminina se revele
instantânea, por isso adoram ir a esses inferninhos onde as mulheres
se desnudam dançando lentamente, eles gostam de ver as peças
íntimas das mulheres, pelo menos era isso que lia nas revistas que
assinava, o que devia ser verdade, do contrário não haveria tantas
lojas e anúncios com essa variedade infinita de lingerie, não
obstante, em sua experiência, não tão vasta assim, houvesse certos
homens que nem mesmo olhavam para o que ela usava sob o vestido
quando se despia. Mas Arminda não podia ter certeza de que o homem
com quem ia se encontrar fosse desse tipo.
Sem
saber o que fazer, saiu do quarto e, angustiada desatenta, deu um
esbarrão num sujeito que passava no corredor carregando uma pasta de
papelão cheia de papéis que se espalharam pelo chão.
Arminda
se desculpou, explicou que estava nervosa porque havia trancado a
chave do cadeado dentro da mala.
O
homem, enquanto apanhava as folhas no chão, olhou para Arminda como
se não tivesse entendido as suas palavras, e ela prosseguiu
explicando que não podia abrir a mala, tinha um encontro importante
e as roupas dela estavam todas lá dentro, só na segunda-feira um
chaveiro estaria disponível para abrir o cadeado.
O
homem perguntou, posso dar uma olhada?
Era
um estranho, de rosto comum e um pouco barrigudo, mas aquela pasta
cheia de papéis com números e letras lhe atribuía uma certa
confiabilidade.
Arminda
respondeu que sim, que lhe mostraria o cadeado.
Abriu
a porta do quarto para que o homem entrasse.
Ele
se acocorou ao lado da mala e examinou o cadeado.
Boa
fechadura, aço dos mais resistentes, disse, e Arminda concluiu que
ele logo em seguida lhe diria que era melhor esperar a chegada do
chaveiro no dia seguinte e arrependeu-se de ter aceitado a ajuda
daquele sujeito.
Ele
mais uma vez olhou cuidadosamente o cadeado, abriu a sua pasta de
papelão e tirou um clipe que prendia um maço de papéis. Sentou-se
ao lado da mala e enfiou a ponta do clipe na fechadura do cadeado.
Não
adianta, disse Arminda, esse cadeado é muito bom, comprei o melhor
que havia, viajo muito e roubam as minhas roupas, muito obrigada pela
sua boa vontade, eu tenho que sair.
Por
favor, o homem disse, preciso de silêncio. Curvando-se para
aproximar o ouvido do cadeado, começou a mexer lentamente com a
ponta de metal do clipe no buraco da fechadura.
Arminda
sentou-se desanimada, o mundo estava cheio de bobalhões e ali,
debruçado sobre a mala, de costas para ela, havia um deles.
Mas
logo o homem se levantou e virou-se para Arminda com o cadeado aberto
na mão.
Da
próxima vez tome mais cuidado, ele disse, pondo o cadeado sobre a
mala.
Nunca
mais vou fazer isso, Arminda respondeu, muito obrigada, notando então
que ele era alto, bonito e nada barrigudo.
O
homem pegou a sua pasta e foi embora fechando a porta do quarto, que
deixara aberta o tempo todo em que estivera lá dentro.
Arminda
ficou algum tempo paralisada olhando a porta, mas em seguida, num
impulso, saiu do quarto correndo, aquele era o homem da sua vida, ela
não sabia bem por que, talvez por ter aberto o cadeado com um clipe
de papel ou por qualquer outro motivo, o certo é que não podia
perdê-lo.
O
corredor estava vazio, a luz indicadora do painel mostrava que o
elevador descia com a sua paixão lá dentro. Arminda precipitou-se
correndo pelas escadas, eram apenas três andares, talvez chegasse ao
térreo junto com ele.
Mas
o elevador já havia chegado e não havia ninguém no saguão.
Rubem Fonseca, in Pequenas Criaturas
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