quarta-feira, 7 de dezembro de 2022

O poder

Nas terras onde nasce o rio Juruá, o Mesquinho era o dono do milho. Entregava assados os grãos, para que ninguém pudesse plantá-los.
Foi a lagartixa quem conseguiu roubar um grão cru. O Mesquinho agarrou-a e rasgou-lhe a boca e os dedos das mãos e dos pés; mas ela tinha sabido esconder o grãozinho atrás do último dente. Depois, a lagartixa cuspiu o grão cru na terra de todos. Os rasgões deixaram a lagartixa com essa boca enorme e esses dedos compridíssimos.
O Mesquinho era também dono do fogo. O papagaio chegou perto dele e se pôs a chorar aos gritos. O Mesquinho jogava no papagaio tudo o que tinha à mão e o papagaio esquivava os projéteis, até que viu que vinha um tição aceso. Então, agarrou-o em seu bico, que era enorme como o bico do tucano, e fugiu pelos ares. Voou perseguido por um manto de chispas. A brasa, avivada pelo vento, ia queimando seu bico; mas já havia chegado ao bosque quando o Mesquinho bateu seu tambor e desencadeou um dilúvio.
O papagaio conseguiu pôr o tição candente no buraco oco de uma árvore, deixou-o aos cuidados dos outros pássaros e saiu para molhar-se na chuva violenta. A água aliviou seus ardores. Em seu bico, que ficou curto e curvo, vê-se a marca branca da queimadura
Os pássaros protegeram com seus corpos o fogo roubado.

Eduardo Galeano, in Os Nascimentos

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