Existem
duas vantagens de se chegar a uma certa idade. Uma é que você
tem
mais coisas para lembrar, e a outra eu não me lembro. No outro dia
me pediram uma lista das dez brasileiras mais bonitas do século e
eu, sem tempo para pensar muito, fiz uma lista mais ou menos óbvia
que começava com a Tônia Carrero e terminava com a Patrícia Pilar.
Só quando não adiantava mais lembrei de umas 17 que não podiam
faltar entre as dez — inclusive, onde eu estava com a cabeça, a
Luíza Brunet!
Mulher
bonita é um pouco como jogador de futebol, preservada a diferença
na distribuição dos músculos. Quem tem mais anos de praia e de
observação pode tirar da memória, só para ser diferente, um nome
que ninguém mais se lembra. Vocês acham que o Pele era bom? É
porque vocês não viram jogar o... (Dá até para inventar um
para-Pelé que só não teve a mesma sorte, não faltarão pessoas da
sua idade para confirmar que era mesmo um fenômeno injustiçado, ou
porque não se lembram de mais nada ou para não parecer que não se
lembram de mais nada.) Há um certo prazer melancólico em poder
dizer
“Vocês
acham essa Paola da novela bonita? E porque vocês não conheceram
a...”. E acrescentar que no tempo da outra não existia maquiagem
profissional, filtros, recursos de luz e, pensando bem, nem
eletricidade. Muitas belezas antigas devem a sua reputação à falta
de um registro confiável, à propaganda boca a boca. Helena de
Tróia, a tal do perfil que começou uma guerra, talvez não
resistisse a uma fotografia, ou só resistisse com um retoque
eletrônico, depois. Cleópatra dificilmente sairia na Playboy, pelo
menos com aquele nariz. Provavelmente nenhuma das legendárias
beldades bíblicas conseguiria uma ponta em Malhação.
Fora
as brasileiras, a mulher mais bonita do século foi a Maureen O'Hara,
e peço briga. Sua beleza vencia até eventuais restrições a
mulheres muito grandes ou muito irlandesas. Ela era grande,
irlandesa, ruiva mas perfeita. Quem foi a Maureen O'Hara, você
pergunta? Eu sabia que estava falando sozinho.
Luís Fernando Veríssimo, in Sexo na cabeça
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